sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

2012

Já é quase tradição. O final do ano se aproxima e começamos a fazer nossas retrospectivas, ou como chamei ano passado, fechamos para “balanço” e contamos os lucros e as perdas. 

Inspirado pela retrospectiva do Facebook e por este artigo, faço novamente este exercício reflexivo e contemplativo. A sensação é de que foi um ano cheio, longo e pesado. Acho que isso se deu por tantas coisas importantes terem acontecido, tantas mudanças, algumas planejadas, outras bruscas. 

No meu caso arrisco dizer que foi um ano “divisor de águas”, o fim de uma época e o início de outra. Foi o fim de um tempo de fantasias e planos, de aventura e experimentação, e o início de uma época de responsabilidade e início da maturidade. Época nova de fazer acontecer, construir, andar na linha rumo a um futuro mais seguro e fixo. Parece assustador mas é o rumo que a vida vai traçando. 

Foi um ano em que fui testado o tempo todo, em que a vida colocou-me em situações limites, e com estas pude perceber que emocionalmente sinto-me maduro. Pela primeira vez senti que ao invés de buscar refugio e proteção frente as perdas, que agora eu deveria assumir este lugar de segurança. E consegui. É a vida adulta consolidando-se. 

Um ano que contemplou ao mesmo tempo perdas inestimáveis – minhas duas avós- e a realização de um sonho profissional (a tão esperada nomeação no TJ!). E também foi um ano inteiro de planejamento e dedicação ao meu casamento, o que se realizou em dezembro de forma esplêndida! 

Após 12 meses a sensação é de total dubiedade: por um lado sentimentos de imensa alegria por todas as realizações e crescimento emocional; por outro, a tristeza da perda de pessoas que eram tão presentes em minha vida e a falta que fizeram nesses momentos tão especiais para mim. 

Pela primeira vez chego ao fim do ano sem aquele sentimento nostálgico de que o ano deveria ter sido diferente, de que eu esperava muito mais das coisas que aconteceram e de que minhas expectativas foram frustradas. Não. Aconteceram muito mais coisas do que eu esperava, coisas muito ruins inclusive, mas que consegui enfrenta-las e aceita-las de forma melhor. Talvez por não gerar mais tantas expectativas, e por não deixar que o ano encaminhasse para o seu término sonhando com um ano próximo melhor. 

Não é o tempo, o destino, acaso ou qualquer outro nome que você der que irá fazer seu ano melhor ou não. É a sua vivência, o seu fazer no dia-a-dia que determinará sua conformação ou não com o que aconteceu. E acho que fiz muito este ano, enfrentei tantas coisas e diversas mudanças que me sinto realizado. Foi como eu esperava? Não. Ainda bem, pois eu não esperava nada. Apenas enfrentei dia-após-dia como se fosse algo novo, sem idealizar e sem temer o cada passo dado. 


Obs.: comecei a escrever este texto em 14/12/2012, e só consegui termina-lo agora. Foi muito difícil fechar um balanço de um ano tão cheio de acontecimentos e mudanças. A “ressaca” desse ano ainda está forte, tema para outro post.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cuidado

Sua ausência e lembrança não pára de despertar sentimentos e emoções...


Hoje fui tomado por diversos sentimentos nostálgicos. Impressionante como um dia chuvoso nos leva a tempos remotos, a um mergulho dentro de uma subjetividade que estava aparentemente intocada. Memórias, lembranças, sons, cheiros. Somos lançados de repente a uma época que não mais pertencemos. Ficou para trás. Sobraram resquícios que num dia como este surgem do nada e nos fazem viajar ao passado e sem querer pensar no presente. Há quanto tempo foi isso? Quem eu era naquela época? No quê me tornei?


Ontem fui remetido à infância, a talvez uma parte dela muito doce e que espero guardar assim comigo. Depois de conhecer uma senhora avó que decidiu cuidar de dois netos após sua filha ter falecido recentemente, deixando as crianças órfãs, fiquei questionando-me: se tivesse acontecido comigo, eu teria uma avó assim que cuidasse de mim, dessa maneira tão acolhedora e segura?

Aqueles que tiveram uma avó assim sabem do que estou falando. Aquela “avozona”, preocupada o tempo todo com o melhor para seus netos, que acaba até “pecando” pelo excesso de amor e zelo. Era assim essa senhora. E eu tive uma avó assim que perdi recentemente. E por um minuto fiquei feliz de pensar que cheguei aos 30 anos e só agora a perdi. Poderia ter sido na infância, no momento que mais precisasse dela. Poderia acontecer de eu perder meus pais e eu tinha a certeza e a confiança de que poderia contar com ela, e com o meu avô que foi também um verdadeiro “porto seguro”, um homem de caráter e postura invejáveis. Eu tive tudo isso, e ainda meus pais.


Por um outro minuto senti um aperto no peito de saber que não tenho mais esta avó e de as lembranças levarem-me para aqueles momentos que pude estar com ela, das férias em que eu podia fazer tudo o que queria e de todos aqueles outros tantos momentos em que ela me ajudou. 


Faz muita falta sim. Mas ela se foi agora quando já sou um adulto maduro e pude contar com todo o apoio que eu necessitava para meu desenvolvimento. Agora que já posso ser o apoio para outros que virão e precisarão de alguém assim. Eles (meus pais e avós) já me ensinaram isso e agora sei que está chegando a hora de levar isso adiante. Uma geração se foi e agora o mundo jamais será como antes. E tenho a certeza de que recebi de meus pais e avós todo o carinho e experiência necessários para ocupar esse lugar tão nobre que é o de cuidar de um alguém.

sábado, 29 de setembro de 2012

Um minuto a mais?

Vó, você poderia ficar mais um minuto? E o que faríamos neste último minuto? Sei que teve a vida toda para aproveitar, e que fez isto como ninguém. Mas eu queria apenas mais um minuto com você. 

Tudo está lembrando a ti. Está difícil acreditar nisso. Os dias arrastam-se como se nada acontecesse. Toda hora pego-me pensando que tudo está da mesma forma. Que você está em algum lugar e logo chega. Que é mais uma daquelas situações em que você não atende o celular e nós ficamos loucos ligando atrás de você. Provavelmente deve estar na casa da Tia Antônia. Logo você chega com sua Kombi e tira sua caixa de Antártica Subzero e senta-se ao lado do fogão à lenha. E nós que estávamos putos contigo ficamos alegres e aliviados de ver que você está ali, como sempre.

Mas você não está lá. E eu estou aqui na Lapa pensando nisso. No quanto isto dói. No quanto todos devem estar sofrendo em Curitiba por tudo isso. Aqui parece que o tempo pára, mas quando chego lá tudo volta. E você continua não estando lá. E minha viagem torna-se mais longa, e a dor volta a aparecer. E ela terá que surgir. Só assim podermos superar, aquilo que tua ausência força-nos a vivenciar.

Da lembrança dos teus leves sorrisos, da tua presença forte, da alegria de te encontrar e abraçar, de tudo isso deve brotar uma vontade maior de viver, de superar tudo isso. Sua energia era a base de tudo e deve continuar. Vai sim. Eu acredito. Mas eu queria poder ter apenas mais esse minuto com você. E por isso essa música dói tanto. Só queria isso. Agora. 

Trilha Sonora: "A minute longer" - Stereophonics.

sábado, 22 de setembro de 2012

Vovó

Para Maria Stacechen (1935-2012), 
Um anjo iluminado

"Do nossos planos é que tenho mais saudades. 
Quando andávamos juntos, na mesma direção. 
Aonde está você agora além de aqui, dentro de mim?"

"...vai ser difícil sem você, 
por que você está comigo o tempo  todo, 
e quando vejo o mar, existe algo que diz,
 que a vida continua e se entregar é uma bobagem..."
(Vento no Litoral - Legião Urbana)

Você se foi e um enorme vazio tomou conta daqui. Você estava em tudo. A dor que ficou preenche todos os espaços. Tudo lembra a ti. 

Das doces lembranças da infância. Dos bifes com batata frita na casa do Portão. Dos cafés da manhã no quintal, junto dos cachorros que eram praticamente sua extensão. Das viagens inesquecíveis de férias em Morretes, quando fizemos uma cabana e levamos o Kiko e o Branquinho. Da vez que estranhos vieram buscar filhotes e eu e a Cris nos escondemos no mato com os dois cachorros. 

A lembrança mais antiga que tenho de você foi um dia em que a mãe havia brigado comigo. Eu deveria ter uns 5 anos. Entrei no quarto e revoltado joguei tudo no chão. Você apareceu e disse: "joga tudo, descarrega toda sua raiva, bota isso pra fora!" E eu fiz, fui me acalmando aos poucos. Aquele dia comecei a compreender seu espírito libertário, de não querer se adequar a nada, de ter uma autonomia e independência. 

E você foi a vida toda assim. Por mais doce que fosse não deixava de seguir o seu próprio caminho, de não querer depender de ninguém. Como isso me ajudou a ser quem sou hoje vó! Você não sabe como. Tentei herdar sua doçura, ao mesmo tempo combinada com um espírito livre, independente. Tinha uma sabedoria que ultrapassava disciplinas. Não era ciência, era vivência. E como nos respeitávamos! Mesmo eu sendo um acadêmico, nunca discutimos. Eu ouvia atentamente seus dizeres. Não posso deixar de lembrar minha defesa de Mestrado, em que a Vó corajosamente levanta a mão durante a sabatinada e pede para fazer uma pergunta, desconcertado, o meu orientador diz que permite, com uma ressalva: "só a Vó pode". Foi a melhor questão da defesa. Foi direto no ponto, em tudo o que defendi naquele trabalho!

Com o seu sorriso e alegria aprendi a ser feliz, a querer fazer festa sempre. Foi você que ensinou isso. Nunca esquecerei de minha formatura, quando a tirei para dançar a 3ª valsa. Era a da madrinha. E você perguntou-me: "eu?" E eu disse: você é a madrinha da minha formatura!. Naquela mesma noite, lá pelas 5 horas da manhã todos meus amigos estavam estirados nas cadeiras, e você tirava um por um para dançar. É essa a imagem que quero guardar de você. Da alegria, da energia, da vontade de viver incondicionalmente.

E as viagens? Quantas Vó? Manaus, Barra do Saí, Morretes. Onde fosse, você ia. Queria conhecer tudo, viver a vida intensamente. Ver pessoas, ver lugares, ver coisas novas. Essa ânsia de viver quero levar para toda a minha vida. Foram tantas coisas, tantas lembranças. 

Você participou de tudo. Estava em tudo. E agora Vó? Até minha casa na Lapa está marcada. Lembro da alegria e da tranquilidade que você encontrou aqui. Isso me fez tão bem, saber que aqui você ficava tão a vontade. E União da Vitória, quantas vezes você foi para lá. Ficou tão feliz quando eu fui. Você conheceu a Hilda antes de todos, e naquele dia mesmo deu seu aval: "ela é perfeita pra você!". O que mais dizer?

Só a saudade, a dor que agora sufoca. Passei uma semana difícil, tentando fazer de conta que tudo estava bem. Mas hoje a tristeza estourou. Uma agonia, vontade de ligar e saber se sua Kombi andou estacionando por lá... Eu sei que não, mas como eu queria chegar amanhã e vê-la por lá! Demorará ainda para assimilar isso. Acostumamo-nos com a Vovó sempre ali. E agora?

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ressaca

É uma enorme ressaca. E infelizmente não é por abuso de álcool. É de tristeza. É de cansaço, por um fim de semana horrível. Mais uma perda, e esta é muito grande. Gostaria de estar agora escrevendo uma homenagem a ela. Mas é muito cedo, não estou em condições. 

Preciso tocar adiante. Arrastar esse corpo enquanto a alma despedaçada esforça-se para rejuntar os pedaços. Estou ausente, inebriado em algum lugar obscuro tentando encontrar a luz. 

Eu sei, é cedo. Vai ser um longo caminho ainda e sei por onde ir. Mas por agora quero apenas refúgio, esconder-me do mundo que não vem sendo fácil comigo. 

Deixar a dor surgir e amenizar-se aos poucos. Esperar que toda sua energia chegue até nós e que a beleza de sua alma faça-nos sorrir novamente. 

sábado, 15 de setembro de 2012

Recaída

Jonas acordara angustiado. Não sabia dizer porque. Fora tomado por um sentimento nostalgico, algo que há muito tempo não sentia mas que a ele era muito familiar: perdição. Era assim que ele chamava uma vontade de perder-se, sumir. How to disappear completely? 

Uma vontade absurda de isolar-se. Uma garrafa de conhaque, carteira de cigarros, Radiohead e seu notebook para escrever compulsivamente. Era assim que esses dias aconteciam antigamente, mas sua vida mudara muito nos últimos anos. A fase "beat" já era. Estava casado, lecionando aulas na faculdade e vivendo relativamente bem sua vidinha burguesa. Escrevia de vez em quando, agora de maneira bem mais leve que aquela pesada atmosfera de seus contos. Ele sabia que se continuasse naquela vida, apesar de render livros brilhantes, iria logo acabar-se. Após conhecer Julia, uma menina linda que realmente o amava, optou por levar uma vida "normal": casa, emprego fixo, cachorro, churrasco com amigos, visitar a mãe de vez em quando e ir ao cinema.

Tudo estava indo bem. Mas de repente este vazio novamente. O principal de toda essa mudança foi largar o álcool. Ele é alcoolátra e só se deu por isso após ter sofrido um grave acidente depois de uma longa noite de intensa bebedeira. Estava "seco" há dois anos e sabia que qualquer descuido o levaria novamente ao buraco. Ele estava gostando da vida atual, de conseguir relacionar-se novamente, tanto afetivamente como manter amizades, de finalmente enquadrar-se em algum lugar nesta sociedade. Porém havia dias que batia uma saudade da época de loucura, de poder "fazer o que dava na telha" - como ele costumava falar. 

O problema que suas fases de loucura não duravam apenas uma noite. Eram meses até que alguma merda acontecesse e ele parava de beber, voltava a atender o celular e entrar em contato com a realidade novamente. Era nesses episódios que seus livros eram escritos e se não fosse o editor ir atrás dele em algum bar, puteiro ou praia, nada seria publicado. Era uma vida desregrada mas intensa, e era isso que sentia falta agora. Não era dos porres, das confusões e até mesmo dos livros. Era da loucura, da vida sem freio, da postura foda-se-tudo-quero-viver. 

E naquela manhã estranha algo realmente mudou. Deixou um bilhete para Julia, saiu de casa com uma mochila e seu notebook. Parou no mercado em frente à rodoviária. Comprou uma garrafa de Domecq, carteira de Camel e passagem para Porto Belo.

Trilha Sonora: Álbum The Division Bell - Pink Floyd; Radiohead.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Depressão pós-feriado

Eu e minha existência banal. Há dias que eu escolho simplesmente não viver. Explico melhor. Não é querer tirar a própria vida, é apenas deixá-la de lado por um dia. É acordar já esperando que o dia acabe logo. E isso não é viver. É enrolar, escapar, perder-se nas ações mais fúteis possíveis. É ficar vagando pela internet (principalmente Facebook), a fim de encontrar alguma notícia interessante, é ver albuns de fotos de pessoas que você não conhece apenas pelo prazer medíocre de bisbilhotar a vida alheia. 

Nesses dias, quase obrigatoriamente segundas-feira, eu tento fazer de tudo para não fazer nada. Não consigo encarar minhas obrigações mais simples. Postergo tudo. Sonho com o meu sofá que trocarei apenas pela minha cama. Parece deprimente, não? Mas é bom. Pior que é bom. 

Quando trata-se de uma segunda-feira pós-feriado a tendência é os sintomas agravarem-se. Dores no corpo, bocejos constantes. Café, café, água, água. Café de novo. Parece que a mente não quer se ligar, está em standby desde o início do Programa do Faustão no fim da tarde de domingo. Talvez até quarta-feira ela pegue no tranco, quando já começa-se a vislumbrar o próximo fim de semana.

É somos assim. Pelo menos eu sou assim. Minha preguiça atinge as vezes níveis alarmantes. E o que mata não é essa preguiça em si, mas a culpa neurótica de estar disperdinçando (ou seria curtindo?) um tempo útil. Talvez se eu simplesmente deixasse essa preguiça tomar conta de mim e desistir de lutar contra ela eu compreenderia que este é só mais um episódio de depressão pós-feriado.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Quanto pesa a vida?

Vagava eu durante uma madrugada em um velório. Na capela havia um memorial onde algumas urnas de pessoas cremadas permaneciam por um tempo em um espaço onde os familiares montavam uma homenagem, trazendo diversos objetos, fotos, símbolos, escudos de times, imagens de Nossa Senhora, tudo o que pudesse simbolizar quem era aquela pessoa em vida. Era bonito e emocionante também. Mas me chocou.

Eu estava ali, em pé, observando cada uma das homenagens. Eram dezenas de histórias de vida que estavam sendo contadas ali, a partir da morte. Fiquei pensando que o que estava exposto ali era o quê os familiares consideravam  ser representativo de quem eram aquelas pessoas em vida, algo que pudesse demonstrar brevemente o que faziam, o que gostavam, suas personalidades e modos de ser e existir. E poderia ser eu ali. O que colocariam para representar-me?

A que mais me impressionou foi de uma mulher de 30 anos. Minha idade. Uma foto ao lado de seu cão. Outra em que ela vestia um vestido de festa. Todas as fotografias captavam uma alegria espontânea, havia ali uma vontade de viver. Viver como eu imagino que deva ser: curtindo, brincando, buscando sorrir mesmo com as piores adversidades. Eu não tenho ideia de quem era aquela pessoa, como ela viveu e se realmente  era assim em vida, mas foi o que eu senti ao ver a homenagem que fizeram a ela.

Talvez somente quando nos deparamos com a morte, com a finitude, que conseguimos refletir sobre nossa realidade mais cotidiana, a vida mais simples e banal que simplesmente tocamos dia após dia. É essa a vida que realmente vivemos e não temos muita noção do que significa. Como os outros nos vêem? O que represento para os demais? Quem sou em vida, como me descreveria? O que eu escolheria para simbolizar-me naquele pequeno espaço de menos de um metro quadrado? Questões que embaralhavam minha cabeça durante uma madrugada triste, em que além de estar vivendo a perda de alguém fui confrontado com minha própria existência - e o risco de deixar de existir. E se fosse eu?

Estava eu vendo ali personagens que já foram vidas. Estavam talvez há pouco tempo atrás vivendo suas vidas de forma automática, sem pensar que pouco tempo depois já não existiriam mais. E realmente não conseguimos vislumbrar esta possibilidade. Se pensarmos em todos os riscos que temos de morrer neste exato momento, deixamos de viver e entramos em pânico. A urgência da vida não permite pensar em seu fim. E assim vamos tocando, totalmente certos de que o amanhã chegará. Mas não sabemos, e isso é aterrador. 

Isso faz pensar o quão frágil é nossa existência. Sublime as vezes, triste e penosa muitas vezes. Não temos noção do esforço que dispendemos para mantê-la, e muito menos de todas as formas existentes que podem tirá-la. E isso  nos aparece perfeitamente normal.

Vivemos ignorando o fato de que a qualquer momento não estaremos mais aqui, e mesmo assim insistimos em disperdiçar nosso tempo principalmente com as coisas mais fúteis e banais, deixando de lado o que realmente é importante e significativo.  A vida corre e somente quando ela falta é que pesamos sua existência.

Trilha Sonora: Devastations

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Breathe (respire)

Para Maria Gelinski Mendes (1938-2012),
Uma Guerreira


Foi uma longa madrugada ao seu lado. Pena ter sido nessas condições. Eu havia pedido para você viver mais. Agora percebo que era apenas egoísmo meu. Foram 45 dias de agonia, de dor, expectativas descontroladas. E então você pode finalmente respirar...


Foram com estes versos da bela música do Pink Floyd que eu acordei (acordei? será que consegui dormir?) hoje pela manhã. Eram 7 horas em ponto, quando ligo o rádio e tocava esta que é uma de minhas músicas preferidas, uma das mais lindas que já ouvi. Era algum prenúncio? Será que indicava que naquela hora você estava realmente indo? Ao som do Pink Floyd vó?  

Aquelas máquinas ligadas à você. O esforço enorme para conseguir retirar um pouco, apenas o mínimo de ar. Seus suplícios para obter gotas de água... tudo isso acabou vó. Agora tudo está bem. "There is no pain, you are receding"

Nossa dor está quase insuportável. Mas vai se aliviando ao pensarmos que a sua terminou. Há meses não a reconhecíamos mais. Tanto tempo afastada de sua vida cotidiana, de suas coisas, das pessoas que ama. Tantos dias apenas lutando pelos resquícios de vida que ainda haviam. E você era incansável, enquanto nós penávamos para encarar cada visita naquele lugar inóspito. 

Sentiremos muito sua falta, de sua personalidade forte, das suas tiradas, do jeito azedo e ranzinza que na verdade escondia muito amor e vida. Eu era fã e continuarei sendo do seu modo espontâneo e verdadeiro de ser, de encarar a vida dando murros nas portas que tentam se fechar, de dizer ao mundo e a todos tudo o que pensa, mesmo que isso as vezes custe inimizades e mágoas. 

Vá. Apenas respire, respire o ar que agora te cerca, que nós continuaremos aqui sempre a te relembrar.



Breathe, breathe in the air.
Respire, respire o ar
Don't be afraid to care.
Não tenha medo de se preocupar
Leave but don't leave me.
Vá embora, mas não me deixe
Look around and choose your own ground.
Olhe ao redor e escolha seu próprio caminho

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Realidades Paralelas

Eu sempre pensei viver em uma realidade paralela. Não tem nada a ver com outras dimensões metafísicas. Simplesmente sempre achei que nunca compartilhei totalmente da mesma realidade que todos em minha volta. E sei também que muito disso é devido a minha capacidade enorme de desviar a atenção e perder-me em pensamentos diversos e longíquos.

Lembro-me que esta situação era bem mais frequente no final da infância e durante boa parte de minha adolescência. Seria algo parecido com essa televisões em que é possível abrir outro canal em um pequeno frame no canto esquerdo superior da tela. Comigo acontece algo parecido. Abre este outro "canal", menor do que o canal principal, mas que desvia minha atenção, sendo que esta permanece dividida. E assim vou vivendo com a impressão de estar o tempo todo dividido entre esses dois "canais".

Não é preciso citar que logicamente o outro canal é mais interessante que a realidade que se projeta aqui. Já tratei disso muitas vezes como fuga. E é mais do que isso.

Em minha infância a realidade era quase que totalmente deixada de lado para dar espaço a fantasia. Eu vivia realmente em outros mundos. O mais importante é que era eu quem criava estes mundos. E ali eu poderia ser tudo. Já fui rei, piloto famoso, artista, revolucionário. Eram os meus devaneios. Criava enredos complexos e vivia tudo aquilo de forma intensa. Mas havia um problema: a realidade continuava a coexistir, e muitas vezes eu era convocado a assumir o "posto" novamente. Era duro. Na realidade e eu era apenas um garoto fechado, tímido, com milhões de sonhos e vontades a concretizar.

O garoto cresceu mas os devaneios continuaram. Com certeza bem mais amenos e próximos da realidade. Isso que eu relato faz parte da vida de todos, em menor ou maior grau. Estamos o tempo todo criando fantasias, estórias, sonhos, projetando coisas. Isso por si só é bom. Porém muitas vezes nos deixamos levar por um enredo desses, que criamos sem saber como, e nossa realidade se mistura com isso.

De modo geral nunca experenciamos a realidade como ela é, crua, viva, sem subterfúgios ou maneiras de encará-la. Usamos diversos instrumentos para lidar com ela: fantasias, mentiras, bebidas, e muita procrastinação. Criamos histórias e passamos a vivê-las. Distorcemos fatos, os misturamos com lembranças falhas e com muitas expectativas. 

E nessa construção contínua muitas vezes deixamos o que se passa na vida diária de lado. Deixamos de perceber coisas que talvez realmente importam. Coisas que podem ser doloridas, mas muitas vezes necessárias. É muito mais fácil e confortável viver em sonhos em que conservamos apenas as coisas boas, onde tudo está dado, pronto ali, só deixar-se levar e deleitar-se. A realidade não. É cheia de baixos, dificuldades, barreiras, empecilhos. Precisamos nos esforçar, brigar, lutar, perder e aceitar diversas coisas que não gostamos. É a vida real, dura, intransigente e mutante. E há muito prazer nela, porém é preciso ir atrás e não apenas fechar os olhos e curtir.

E parece que é só a realidade começar a aparecer um pouco intensa demais que já vejo aquela telinha pequena pipocar no canto esquerdo da tela...

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Cotidiano N.º 1

Os dias passam agora em um ritmo diferente. Paz. Vivendo a própria vida, como sempre almejara. O cotidiano se impõe. Cada momento é um recomeço, é o início de outra etapa que se sobrepõe. Tem-se a impressão de que é assim que a vida vai tocar. Um misto de alegria e perplexidade. Será sempre assim? E esta constância, predominará?

Mudanças são necessárias. Mas no fundo sempre queremos uma rotina, buscamos essa tal homeostase. Porém ao chegar perto dela surge um fio de angústia. Cheguei, e agora? Para onde ir. Ficar é o desafio, conseguir permanecer e fazer disso algo agradável. Levar o dia-a-dia como se cada dia fosse diferente, mas ao mesmo tempo tudo parece tão igual. O jeito é acionar o modo aleatório e esperar o devir!

Trilha Sonora: Nuvens, álbum "Fome de Vida".

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Saudades

Estou em outra cidade. Outro emprego. Outra vida. Tudo é novidade. Mas uma parte de mim encontra-se   lá, ainda em União. Ainda vejo-me dando aulas à noite, cansado após oito horas de trabalho atendendo à população. Mas feliz, rindo e brincando com os alunos(as), discutindo as mazelas sociais, refletindo sobre as questões atuais.

Cercado de jovens mentes que ainda vislumbram um futuro melhor. Corações doces que talvez ainda não foram contaminados pela dura realidade material e concreta. Em muitas aulas remetia-me ao tempo em que eu era o estudante. Via-me ali, identificando-me com a postura crítica e ao mesmo tempo muito festiva de alguns. Penso: poderiam ser meus amigos naquela época. E são.

Sinto falta agora daquela energia e vitalidade que me passavam, que permitia com que cada aula eu tivesse forças para continuar a acreditar no ensino, que eu seria capaz de ensinar algo a eles. E hoje eu vejo quem aprendeu muito com aquelas criaturas! Vejo o bem que fizeram de sentir-me jovem ainda, apesar da idade que tende a chegar!

Saudades de vocês meus alunos e alunas, da espontaneidade, da beleza de seus sorrisos. Estou feliz aqui, mas não consigo esquecer o que passei com vocês ai. Dos ensinamentos que tornaram-se para mim lições para a vida toda. Sentirei a falta de vocês, mesmo sabendo que estou aqui seguindo meu caminho, que é o que espero de vocês. Vão em busca de seus sonhos que eu estarei aqui feliz por isso. Por ver que cada um pôde fazer a sua escolha. Se consegui passar ao menos isso, esta lição, estarei feliz.

Beijos e abraços, quero muito encontrar vários de vocês por ai, pela vida, pelo lugar que eu sempre almejei prepará-los! 

Trilha Sonora: Eddie Vedder "Hard Sun".

terça-feira, 24 de julho de 2012

Encontro

Encontro
(Fernando Sabino)

"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando;
A certeza de que é preciso continuar;
E a certeza que podemos ser interrompidos antes de terminar.
Portanto, é necessário fazer:
Da interrupção um novo caminho;
Da queda um passo de dança;
Do medo, uma escada;
Do sonho, uma ponte;
E da procura um encontro".

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Viva


Eu poderia pedir tantas coisas a você.
Mas quero apenas uma coisa.
Para que você viva mais.

Não desse jeito, sofrendo tanto.
Viver é prazer. Quero que você viva assim: viva.
Quero te ver do jeito que sempre foi.
Meio chata, resmungona. Mas viva.

Quero te ver encher o saco. Viva.
Quero tudo de volta, como era. Viva.
Só peço isso.

Eu só quis escrever isso,
para que você viva mais.
Mas de um jeito que eu possa vê-la. Viva.
Então, apenas, por favor, viva.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Contato

Céu carregado de nuvens pesadas. Leve frio e sentimento de nostalgia. O dia passa rapidamente. Houve tempo para tudo, inclusive para apenas gastá-lo. Há tempos não se via isso. Vontade de nada, apenas deixar tudo passar.

A ânsia de tudo logo acontecer dá uma pausa. O dia bucólico exige isso. Apenas esperar... por nada, só o dia acabar para outro recomeçar! 

Recolher-se e dentro de si e encontrar algo há muito tempo abandonado. O contato consigo mesmo, fragmentos da alma dispersos por ali. Não é felicidade, nem quer ser. Apenas viver um momento qualquer, que por ser assim, engrandece-se.

A vida cotidiana pode ser muito boa, desde que deixe-a ser. 

Trilha Sonora: Band of Horses, álbum "Infinite Arms".

terça-feira, 22 de maio de 2012

Porto Seguro

"It always feels like I'm waiting for something"
(Waiting for Something - Nada Surf)

Eu já fui um nowhere man. Já houve épocas em que não me achava em nada. Sentia-me dissolvido em um mundo onde nada fazia sentido. Perdido, estagnado, não tendo onde segurar-me.

Esse tempo passou. E passou rápido. Muitas coisas aconteceram. Construi muitas coisas. Conquistei espaços que hoje são caros. Atirei-me ao devir em busca de algo. Acreditei sempre haver uma saída, basta buscá-la. Em algum lugar há de existir um porto seguro, onde eu possa estabelecer-me momentâneamente e poder observar o horizonte, buscar rotas certas. E foi assim que aconteceu.

A vida na estrada ensinou-me muitas coisas. Que rodar é essencial, mas que parar na hora certa é decisivo. Assim como estabelecer um ponto fixo em que se possa voltar sempre e, à partir de ali, olhar o mundo a sua volta e escolher novas rotas. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Transição

"I'm going to the darklands
to talk in rhyme
with my chaotic soul
as sure as life means nothing
and all things end in nothing
and heaven i think
is too close to hell
i want to move i want to go
i want to go
oh something won't let me
go to the place
where the darklands are
and i awake from dreams...

(... )I want to go, I want to stay"

("Darklands" - The Jesus and Mary Chain")


O meio-termo sempre incomodou-me. No sentido de harmonia, de homeostase, ele sempre fora desejado. Porém a transição entre um período e outro, o espaço de tempo entre uma fase antiga e outra nova que se anuncia, é angustiante.

Uma mistura de sentimentos e idéias. Pedaços de mim que já estão se indo. Milhares de expectativas loucas para se confirmar. Uma hora sinto-me apegado ao que fui aqui, ao que sou hoje. Por outro lado uma vontade de logo ver novas coisas se concretizarem.

Sei que é o fim de uma época, que terei perdas. Que verei antigos sonhos que demoraram tanto a se realizar ficarem para trás. Foram coisas que lutei tanto para serem conquistadas. Não deixarão de serem conquistas, mas serão abdicadas em nome de novas buscas.

Gosto de buscar novas experiências, de ousar. "Life on the road" foi a constante nesses últimos anos. Mas tenho muito ainda a elaborar até desapegar-me de tudo o que tenho e sou no agora, para então, abraçar o devir e confiar que novos sonhos surgirão. Pois a única constante da vida é a mudança, porém isto não ocorre sem dor.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Paralisia


Tudo está longe. Os pensamentos, a consciência. Tento recompor-me, sair de um sonho acordado. Ausência de sentimento, sentidos confusos. Desorientação. A mente insiste em vagar, perder-se, e eu numa tentativa fracassada de voltar-a-ser. Mero esforço. Vontade de entrega. Desilusão. O sol de outono e a leve brisa fria levam-me adiante, quando tudo parece paralisar-me...




sábado, 17 de março de 2012

I know I could

"I feel stained and I'm in pieces
In my mouth the sad taste of the past I had
A thousand wasted kisses
But another glass
And a cigarette
Just anything
To help forget the things that
Every day I still find missing"
(Drugstore "I know I could")




Sábado a tarde. Outono de 2007. Após uma noite de bebedeira, um jovem deita-se em sua cama e passa a projetar seu futuro. Imagina-se em um outro lugar. Já não há mais dor. Está aparentemente feliz. Já não depende de ninguém. As amarras foram cortadas. O clima ainda é frio, mas há calor por onde anda. Humano? A solidão que tanto o apavora está longe dali. Vê possibilidades, caminhos, escolhas a serem feitas. A tristeza ainda existe, mas de maneira amena, como deveria ser. Ele se vê realmente vivendo e é isso que importa. Não interessa se é uma vida plena ou uma felicidade eterna. É uma vida que pode ser vivida. Construída com seus percalços e nuances. Não é fuga. Não é isolamento. É o começo de tudo. E o jovem respira aliviado, mesmo sabendo ser apenas um sonho projetado para o futuro, pois acredita que aquele sonho é o primeiro passo para   viver tudo aquilo.

Trilha Sonora: Drugstore - "I know I could" e "Never come down", do álbum "White Magic for Lovers".

terça-feira, 13 de março de 2012

O sonho, a análise e a realização


Ele estava novamente no 2º grau, como estudante, só que agora iria dar uma aula para seus colegas. É um auditório enorme e há muitas pessoas. Primeiro o data-show não funciona de jeito nenhum. Depois seu notebook falha e não consegue visualisar a aula que preparou. Sente-se constrangido, inseguro, temendo que não consiga dar aquela aula. A sensação é de angústia. Procura de todas as formas consertar aquela situação, que no sonho vai desembocar em alguma outra cena esdrúxula que já não se recorda mais.

O velho cenário da adolescência, o colégio, a ansiedade e a insegurança. O sonho remete aos sentimentos vividos naquela época. Ao garoto fechado, calado, tímido e principalmente inseguro. Uma mente inquieta que sufocava de tanto pensar, imaginar, criar. Uma vontade enorme de realizar-se e ao mesmo tempo barreiras infindáveis a serem derrubadas. Uma fé no conhecimento, na razão, e uma inabilidade tremenda em lidar com os afetos, que àquela altura da vida explodiam dentro de si.

O garoto cresceu, aprendeu a falar e a manifestar um pouco daquele universo que havia criado para si. Quis mostrar ao mundo para o quê veio. Gosta de compartilhar o que em anos e anos de curiosidade e fascínio pelo saber o fizeram ser o que é hoje. Hoje aceita melhor a profusão de sentimentos que estouram seu peito e inebriam sua mente. Permite-se sentir, entrega-se com dificuldade mas está aberto ao mundo da experiência.

Sente-se amado e valorizado por aqueles com quem se relaciona. Sente poder oferecer conforto e paz à almas que ainda sofrem por não se conhecerem como ele. Fala e entende coisas que para muitos são dificílimas e a faz de tudo para torná-las fáceis e compreensíveis para aqueles que se dispõe a ouvir.

Agora é homem convicto de seus ideais e valores, ciente do caminho que deve seguir e que já o faz. O futuro não está tão distante. Mas há algo do garotinho tímido que persiste em voltar à memória. Seja para mostrar que nem tudo resolveu-se ainda, que o garoto existe ainda dentro do homem, seja para provar que o passado sempre está presente para não deixarmos esquecer quem fomos, e principalmente o caminho tortuoso que é vir-a-ser.

E este sonho aconteceu justamente na noite posterior a uma realização: após a sua primeira aula como professor da pós-graduação, que depois de alguns momentos de ansiedade e insegurança, ocorreu da melhor forma possível.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Preguiça

"I didn't go to work for a month
I didn't leave my bed for eight days straight
I haven't hung out with anyone
'Cause if I did, I'd have nothing to say

I didn't feel angry or depressed
I didn't feel anything at all
I didn't want to go to bed
And I didn't want to stay up late"
(Modest Mouse - "Whenever you breathe out, I breathe in")




A preguiça corrói meus ossos. Uma estagnação constante, vontade de não-movimento. Quieto, parado e escondido. Esconder-se do quê? Do que é a sua própria vida? Pura contradição. E não é a contradição a própria essência da vida?

Deveria apenas agir, escolher um rumo e seguir. Mas algo trava, puxa-me para o nada. Pura inércia. E sendo assim um pequeno empurrão serviria para colocar o corpo em movimento contínuo, até que outra força o parasse. Mas falta também esse estímulo.

Na real hoje não quero outra coisa a não ser parar. Comecei o dia já querendo que ele acabe. E quando o dia começa assim, dificilmente acontece algo para mudar esse estranho rumo.

Quando apenas esperamos que algo mude a nossa sorte, quando somente lançamos nosso destino ao por vir, dificilmente algo acontecerá. Parece mentira, mas uma pequena partícula nossa de vontade e motivação altera a ordem do mundo. Pelo menos nosso mundo passa a funcionar, assim como apertamos a tecla de força de um notebook e o sistema se inicia. Sem esse mínimo esforço o computador nunca iria ligar-se e começar a funcionar.  

Trilha Sonora: Modest Mouse "Whenever You breathe out, I breathe in".

Obs.: o velho Modest Mouse volta a tocar por aqui, companheiro de muitas fases de tédio e preguiça!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Leveza

Mente vazia, praticamente livre de pensamentos.
Vida que passa sem querer passar.
Sigo apenas acompanhando o fluxo.
E assim vou levando-me.

Já foi bem mais difícil.
Torno o agora fácil.
É estranho não ter expectativas?
Elas nunca ajudaram.

Será que o ano já começou?
Não o sinto mais.
Deve ser o devir.
Que já não avisa mais.

Tenho medo de perder-me.
Neste ritmo que quase não pulsa.
Mas é bom, não é ruim não.
Até quando?

Trilha Sonora: The National "High Violet" [2010].

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A arte de amar

Eu já amei em silêncio. Já o escancarei ao mundo dezenas de vezes. Subi montanhas e caí em precipícios atrás dele (ou do que eu pensava ser ele). Já imaginei ser apenas uma criação de minha mente fantasiosa. Quis um dia que ele não existisse, para no outro arrepender-me até o último por ter desejado isso.

Um dia apaixonei-me por uma idéia. Passei anos tentando compreender o porquê disso e tentando superar o golpe que foi constatar que ela não iria se materializar e tornar-se "real". Depois disso sobrou apenas a incredulidade.

Então ocorreu-me de constatar que não era o "amar" que eu procurava, mas sim eu buscava ser amado. Mas esta busca durou pouco, pois um dia senti ser invadido por um sentimento muito intenso de quem supostamente amava-me. Fui sugado, devorado. O que era isso? Se ser amado é isso? Então não quero amar.

Porém isso aconteceu também. Em meio ao ceticismo, ao desespero de quem não sabe esperar e sem saber o que virá fui acometido por um turbilhão de sentimentos incógnitos. Fui arremeçado a um mar desconhecido onde meu corpo lutava para não afundar. Era uma sede, uma tensão insuportável, era o desejo. Queimava-me, sufocava-me e o alívio que vinha diante do objeto amado era inebriante. Mas ao distanciar-se uma sombra cobria-me, um vazio tomava conta e a dor era insuportável. Fugi e prometi nunca mais viver isso.

Anos se passaram e as lembranças da intensidade desse sentimento não se apagavam. A culpa pela fuga - fuga de si mesmo - torturava. Por que evitar seu próprio desejo e não pagar o seu preço? A lição ficou para a prosperidade.

Hoje já não penso, não busco e nem fujo do amor. Apenas o vivo. As marcas que ficaram fortaleceram-me. A intensidade foi substituída pela extensionalidade. A busca por uma compreensão, uma racionalidade, do que é inexplicável foi substituída pela experiência e vivência livre do afeto, daquilo que não pode ser quantificável e nem controlado. Enfim, desisti de buscar a ciência do amor para viver a arte de amar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Melancholia - parte II


Carlos acordou assustado ao sentir o toque de alguém em seu braço. Isso era impossível, pois estava só há meses. Ao despertar viu a silhueta de uma criança e ao forçar a visão achou ser Aninha. Logo uma explosão de sentimentos tomou conta dele. Coração disparado, lágrimas e respiração ofegante. Era sua filha, que logo saiu correndo pelo corredor. Sem saber o que fazer foi atrás, gritando o eu nome.

Acabou na praia e quando não mais a viu, se desesperou. Fora mais um delírio, mas este havia sido real demais. Havia quase um ano, desde o enterro, que não a via. Um misto de saudades, dor e alegria. Depois a frustração o tomou. O dia do funeral não sai ade sua cabeça, Por mais que tentasse esquecer e se afundar no álcool, estava preso lá.

Era uma família realizada, quase daquelas de comercial de margarina. Carlos era um jovem professor  que já se destacava na universidade que lecionava. Era muito carismático e ao mesmo tempo muito bom professor, dominava seus temas de estudo como poucos professores mais experientes. Após uma decepção amorosa, um relacionamento de 8 anos que não deu em nada, conheceu Julia, uma jovem fisioterapeuta que acabara de se formar. 

Logo estabeleceram uma relação de cumplicidade jamais experimentada por ambos. Não fora daquelas paixões loucas que sempre acabam em desilusão. Foi um amor que suscetivamente foi sendo construído. Não pularam nenhuma etapa, não cometeram nenhuma loucura. A cada dia sentiam-se mais próximos e apaixonados. Não durou um ano e casaram. 

Mais um ano e chegou Sabrina, a primeira filha. Após a gravidez Julia foi convocada em um concurso estadual e começou a trabalhar em um hospital público. Carlos assumia mais disciplinas e um cargo administrativo na universidade. Parecia clichê, mas a vida do casal corria quase como um sonho pequeno burguês: financiaram uma casa, compraram um cachorro, prosperavam em seus empregos. Dois anos depois veio Aninha, a caçula. 

Carlos gostava muito de beber e Julia até o acompanhava. Normalmente não acontecia nada demais, uma vez ou outra ele acabava exagerando e tomava um porrete, porém nunca ficava agressivo ou cometia besteiras. Pelo contrário, ficava muito engraçado e as meninas caiam na gargalhada com suas palhaçadas. 

Porém, naquela tarde de verão, em um casamento de uns amigos numa cidade próxima, as coisas não se saíram dessa forma.

(continua...)

Trilha Sonora:  "Saviour" - Annelise Noronha

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desligado

Acho impressionante a capacidade que tenho para desligar-me de minha rotina quando entro em férias. Algumas pessoas já relataram-me necessitar de alguns dias ou até uma semana para realmente "curtir" as férias. Já eu não. No mesmo dia que saio de férias sinto me "livre".

É estranho pensar assim, pois essa rotina que falo é a preponderante em pelo menos 11 meses do ano. É a minha vida cotidiana, o meu ganha-pão, meu meio de sobrevivência. Sendo assim não é estranho o sujeito sentir-se "preso" durante os 11 meses e somente em 1 mês sentir-se realmente livre, de bem com a vida? Seria como se trabalhássemos 11 meses para pagar e desfrutar apenas 1!

É realmente uma contradição. E se só eu pensasse assim estaria preocupado, mas quando vejo dezenas de posts no twitter e facebook de trabalhadores desesperados contando os dias e horas para suas férias, vejo que não estou só. Ai lembro-me de Marx e o quanto suas palavras ecoam até os dias de hoje. Por que o trabalho, que deveria ser algo prazeroso e dignificante, é sentido como uma "prisão", uma coação?

Não quero entrar na discussão sociológica do trabalho, afinal estou de férias e isso incluí a sociologia também. Mas acho que trabalhamos demais em troca de pouco, muito pouco. Pelo menos os assalariados como eu. É fácil constatar isso. Dormimos pelo menos 8 horas por noite e trabalhamos no mínimo 8 horas por dia (no meu caso essa conta beira às 10 horas se for considerar todo o tempo dedicado ao trabalho). Restam talvez 8 horas que seriam tempo livre - seriam, pois quem mora em uma metrópole (que não é mais meu caso), deve perder pelo menos 3 horas em transporte. Sobra então, 5 horas. Descontados o tempo para necessidades básicas (alimentação, higiene, cuidados da casa, carro, cachorro...), quanto resta?

Lógico que a finalidade do trabalho não é somente ganhar algum dinheiro para a diversão. Nos realizamos enquanto sujeitos ali, damos algo de si, produzimos algo muito subjetivo (e é justamente esta subjetividade que o capitalismo fez questão de excluir no modo de produção). Mas ninguém pode negar que a grande felicidade do trabalhador é receber e torrar tudo o mais rápido possível - o que não dura muito mesmo! Ou seja, que trabalhamos duramente esperando a hora de poder usufruir e que o pouco tempo livre é sentido como uma recompensa pelo tempo sofrido e trabalhado. Dessa maneira realmente a balança está descompensada, pois é muito trabalho (sofrimento) para pouca diversão (prazer). E tenho realmente esforçado-me para mudar essa relação.

 Porém chegam as férias e ai não penso mais em nada! É pura entrega ao ócio. Sou o melhor do melhor do mundo em não fazer nada. Encontro o que fazer nas tarefas mais banais, nos tempos mais ociosos. Não olho para o relógio, faço o que "dá na telha". Aí penso: "isso que é vida"! Completamente desligado, minhas férias voam. E ao término - aí meu irmão, as coisas complicam. A volta é dura, parcial, lenta. É o preço que se paga por abdicar tão rápido e completamente dos modos de funcionamento da sociedade atual, que exige no mínimo que o sujeito entregue-se de corpo e alma ao trabalho.