quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Quanto pesa a vida?

Vagava eu durante uma madrugada em um velório. Na capela havia um memorial onde algumas urnas de pessoas cremadas permaneciam por um tempo em um espaço onde os familiares montavam uma homenagem, trazendo diversos objetos, fotos, símbolos, escudos de times, imagens de Nossa Senhora, tudo o que pudesse simbolizar quem era aquela pessoa em vida. Era bonito e emocionante também. Mas me chocou.

Eu estava ali, em pé, observando cada uma das homenagens. Eram dezenas de histórias de vida que estavam sendo contadas ali, a partir da morte. Fiquei pensando que o que estava exposto ali era o quê os familiares consideravam  ser representativo de quem eram aquelas pessoas em vida, algo que pudesse demonstrar brevemente o que faziam, o que gostavam, suas personalidades e modos de ser e existir. E poderia ser eu ali. O que colocariam para representar-me?

A que mais me impressionou foi de uma mulher de 30 anos. Minha idade. Uma foto ao lado de seu cão. Outra em que ela vestia um vestido de festa. Todas as fotografias captavam uma alegria espontânea, havia ali uma vontade de viver. Viver como eu imagino que deva ser: curtindo, brincando, buscando sorrir mesmo com as piores adversidades. Eu não tenho ideia de quem era aquela pessoa, como ela viveu e se realmente  era assim em vida, mas foi o que eu senti ao ver a homenagem que fizeram a ela.

Talvez somente quando nos deparamos com a morte, com a finitude, que conseguimos refletir sobre nossa realidade mais cotidiana, a vida mais simples e banal que simplesmente tocamos dia após dia. É essa a vida que realmente vivemos e não temos muita noção do que significa. Como os outros nos vêem? O que represento para os demais? Quem sou em vida, como me descreveria? O que eu escolheria para simbolizar-me naquele pequeno espaço de menos de um metro quadrado? Questões que embaralhavam minha cabeça durante uma madrugada triste, em que além de estar vivendo a perda de alguém fui confrontado com minha própria existência - e o risco de deixar de existir. E se fosse eu?

Estava eu vendo ali personagens que já foram vidas. Estavam talvez há pouco tempo atrás vivendo suas vidas de forma automática, sem pensar que pouco tempo depois já não existiriam mais. E realmente não conseguimos vislumbrar esta possibilidade. Se pensarmos em todos os riscos que temos de morrer neste exato momento, deixamos de viver e entramos em pânico. A urgência da vida não permite pensar em seu fim. E assim vamos tocando, totalmente certos de que o amanhã chegará. Mas não sabemos, e isso é aterrador. 

Isso faz pensar o quão frágil é nossa existência. Sublime as vezes, triste e penosa muitas vezes. Não temos noção do esforço que dispendemos para mantê-la, e muito menos de todas as formas existentes que podem tirá-la. E isso  nos aparece perfeitamente normal.

Vivemos ignorando o fato de que a qualquer momento não estaremos mais aqui, e mesmo assim insistimos em disperdiçar nosso tempo principalmente com as coisas mais fúteis e banais, deixando de lado o que realmente é importante e significativo.  A vida corre e somente quando ela falta é que pesamos sua existência.

Trilha Sonora: Devastations

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Breathe (respire)

Para Maria Gelinski Mendes (1938-2012),
Uma Guerreira


Foi uma longa madrugada ao seu lado. Pena ter sido nessas condições. Eu havia pedido para você viver mais. Agora percebo que era apenas egoísmo meu. Foram 45 dias de agonia, de dor, expectativas descontroladas. E então você pode finalmente respirar...


Foram com estes versos da bela música do Pink Floyd que eu acordei (acordei? será que consegui dormir?) hoje pela manhã. Eram 7 horas em ponto, quando ligo o rádio e tocava esta que é uma de minhas músicas preferidas, uma das mais lindas que já ouvi. Era algum prenúncio? Será que indicava que naquela hora você estava realmente indo? Ao som do Pink Floyd vó?  

Aquelas máquinas ligadas à você. O esforço enorme para conseguir retirar um pouco, apenas o mínimo de ar. Seus suplícios para obter gotas de água... tudo isso acabou vó. Agora tudo está bem. "There is no pain, you are receding"

Nossa dor está quase insuportável. Mas vai se aliviando ao pensarmos que a sua terminou. Há meses não a reconhecíamos mais. Tanto tempo afastada de sua vida cotidiana, de suas coisas, das pessoas que ama. Tantos dias apenas lutando pelos resquícios de vida que ainda haviam. E você era incansável, enquanto nós penávamos para encarar cada visita naquele lugar inóspito. 

Sentiremos muito sua falta, de sua personalidade forte, das suas tiradas, do jeito azedo e ranzinza que na verdade escondia muito amor e vida. Eu era fã e continuarei sendo do seu modo espontâneo e verdadeiro de ser, de encarar a vida dando murros nas portas que tentam se fechar, de dizer ao mundo e a todos tudo o que pensa, mesmo que isso as vezes custe inimizades e mágoas. 

Vá. Apenas respire, respire o ar que agora te cerca, que nós continuaremos aqui sempre a te relembrar.



Breathe, breathe in the air.
Respire, respire o ar
Don't be afraid to care.
Não tenha medo de se preocupar
Leave but don't leave me.
Vá embora, mas não me deixe
Look around and choose your own ground.
Olhe ao redor e escolha seu próprio caminho

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Realidades Paralelas

Eu sempre pensei viver em uma realidade paralela. Não tem nada a ver com outras dimensões metafísicas. Simplesmente sempre achei que nunca compartilhei totalmente da mesma realidade que todos em minha volta. E sei também que muito disso é devido a minha capacidade enorme de desviar a atenção e perder-me em pensamentos diversos e longíquos.

Lembro-me que esta situação era bem mais frequente no final da infância e durante boa parte de minha adolescência. Seria algo parecido com essa televisões em que é possível abrir outro canal em um pequeno frame no canto esquerdo superior da tela. Comigo acontece algo parecido. Abre este outro "canal", menor do que o canal principal, mas que desvia minha atenção, sendo que esta permanece dividida. E assim vou vivendo com a impressão de estar o tempo todo dividido entre esses dois "canais".

Não é preciso citar que logicamente o outro canal é mais interessante que a realidade que se projeta aqui. Já tratei disso muitas vezes como fuga. E é mais do que isso.

Em minha infância a realidade era quase que totalmente deixada de lado para dar espaço a fantasia. Eu vivia realmente em outros mundos. O mais importante é que era eu quem criava estes mundos. E ali eu poderia ser tudo. Já fui rei, piloto famoso, artista, revolucionário. Eram os meus devaneios. Criava enredos complexos e vivia tudo aquilo de forma intensa. Mas havia um problema: a realidade continuava a coexistir, e muitas vezes eu era convocado a assumir o "posto" novamente. Era duro. Na realidade e eu era apenas um garoto fechado, tímido, com milhões de sonhos e vontades a concretizar.

O garoto cresceu mas os devaneios continuaram. Com certeza bem mais amenos e próximos da realidade. Isso que eu relato faz parte da vida de todos, em menor ou maior grau. Estamos o tempo todo criando fantasias, estórias, sonhos, projetando coisas. Isso por si só é bom. Porém muitas vezes nos deixamos levar por um enredo desses, que criamos sem saber como, e nossa realidade se mistura com isso.

De modo geral nunca experenciamos a realidade como ela é, crua, viva, sem subterfúgios ou maneiras de encará-la. Usamos diversos instrumentos para lidar com ela: fantasias, mentiras, bebidas, e muita procrastinação. Criamos histórias e passamos a vivê-las. Distorcemos fatos, os misturamos com lembranças falhas e com muitas expectativas. 

E nessa construção contínua muitas vezes deixamos o que se passa na vida diária de lado. Deixamos de perceber coisas que talvez realmente importam. Coisas que podem ser doloridas, mas muitas vezes necessárias. É muito mais fácil e confortável viver em sonhos em que conservamos apenas as coisas boas, onde tudo está dado, pronto ali, só deixar-se levar e deleitar-se. A realidade não. É cheia de baixos, dificuldades, barreiras, empecilhos. Precisamos nos esforçar, brigar, lutar, perder e aceitar diversas coisas que não gostamos. É a vida real, dura, intransigente e mutante. E há muito prazer nela, porém é preciso ir atrás e não apenas fechar os olhos e curtir.

E parece que é só a realidade começar a aparecer um pouco intensa demais que já vejo aquela telinha pequena pipocar no canto esquerdo da tela...

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Cotidiano N.º 1

Os dias passam agora em um ritmo diferente. Paz. Vivendo a própria vida, como sempre almejara. O cotidiano se impõe. Cada momento é um recomeço, é o início de outra etapa que se sobrepõe. Tem-se a impressão de que é assim que a vida vai tocar. Um misto de alegria e perplexidade. Será sempre assim? E esta constância, predominará?

Mudanças são necessárias. Mas no fundo sempre queremos uma rotina, buscamos essa tal homeostase. Porém ao chegar perto dela surge um fio de angústia. Cheguei, e agora? Para onde ir. Ficar é o desafio, conseguir permanecer e fazer disso algo agradável. Levar o dia-a-dia como se cada dia fosse diferente, mas ao mesmo tempo tudo parece tão igual. O jeito é acionar o modo aleatório e esperar o devir!

Trilha Sonora: Nuvens, álbum "Fome de Vida".