terça-feira, 29 de junho de 2010

Co-dependência

Acabou-se tudo. Guarde essas coisas. Ele já se foi. Foram meses de agonia, de insônia, de duros sentimentos de pena. Não sei o que doía mais se era o seu corpo definhando ou minha alma sendo consumida. Sua dependência já não era física, era existencial. Ele entregava-se à morte ao mesmo tempo que me arrastava junto. Seria isso necessidade ou simplesmente narcisismo? Eu não sei. Apenas que acabei adentrando nesse mundo perturbado, sem saber onde eu estava, onde larguei meu corpo e deixei minha alma prosseguir.

A cama dele fedia. Não era apenas suor e incontinências fisiológicas. Era os restos de um ser humano vivo em decomposição. Era o cheiro da angústia, a mesma que o paralisava, o deixava cada vez mais entregue à morte. Mas havia eu impedindo um ciclo natural de auto-destruição. Havia o desejo dele de que alguém cumprisse esse papel. E eu cumpri. Como ninguém. Abandonei uma existência medíocre para tentar salvar alguém a beira da morte. Ali eu poderia ser alguém, poderia representar tudo o que alguém precisa. Mas ao custo de anular-me? Reduzir meu desejo a satisfazer um outro que suplica por migalhas de amor humano? Há existência possível ai?

Para ele os últimos lampejos de vida, de humanidade, era isso que eu representava. Para mim, algo maior e mais digno que apenas me entregar a compulsão, a busca insaciável de algo que preencha o vazio que há dentro de mim. Um vazio de amor, dignidade, compreensão. Era ser alguém para alguém e não um resto.

Sei que nesse tempo me perdi. E quis isso. Quis me apagar, quis que toda minha realidade sumisse. Que meu Eu explodisse. Que meu desejo cessasse. Que minha vida desaparecesse. Mas esse lento tormento que surge a cada respiração, essa doce agonia que me invade e preenche minhas entranhas não para de pulsar. E só um vazio maior que o meu para poder aliviar. Só a desgraça maior pode me consolar. E nesse mundo de dor, mas uma dor não minha, que busquei refúgio. A dor dos outros sempre é menor, por maior que seja. E agora que ele morreu, me dê uma razão para existir. Algo para amar. Algo para me sentir uma mulher novamente.

Trilha Sonora: Portishead "Third"; "Live in Roseland".

terça-feira, 22 de junho de 2010

O "Novo" e o "Velho"

Eis que um vazio bate repentinamente. Está certo que de forma diferente. A velha angústia, amiga de tantas outras vezes, já não parece ser a mesma. É algo como uma "parada para reflexão". O que aconteceu nesse tempo todo? Tudo foi tão rápido, tantas mudanças num curto espaço de tempo (quase um ano). A alma que estava desgastada de tanto riscar o mesmo chão se questiona: esse ainda é você? Era tão ruim ser o que se era?

Não. Não era mesmo. Sempre houve algum prazer, mesmo que na dor e na pura angústia. Nos prazeres etílicos, nas entregas ao estupor e aos devaneios. Numa vida que era mais fantasiada do que vivida, e por isso mesmo, de algum modo mais ideal. O real passava pelas bordas, ora assustando, ora apenas sendo negado.

Sou eu mesmo? Sim, sou. Um outro, nunca somos os mesmos. Mas sempre há algo que aponta para uma fixidez, para um traço de ser e existir. E qual é esse agora? Talvez seja essa a pergunta: o que sou de agora que corresponde ao que sempre fui? Volto a me questionar após meses de entrega a vida cotidiana, ao simples viver e deixar viver (let it be). Foi bom? Ótimo.

Mas parece que uma parte de mim precisa ser resgatada, algo que se perdeu em um passado próximo. Mas o que? A reflexão, a angústia, a entrega ao nada. Ainda me incomodo com o controle maior da pulsão, questiono até que ponto isso é meu. Uma vida totalmente correta e espontânea, não era isso que eu queria? E agora, por que a dúvida, a velha interrogação que surge quando menos se espera. Esse é um traço meu, mas já quis tanto tempo livrar-me dela. Mas ela surge toda vez para demonstrar que ela é parte daquilo de mim que não posso simplesmente me livrar. E tome Sigur Rvòs novamente!

Trilha Sonora: Sigur Ròs "()".

domingo, 20 de junho de 2010

Bruno e o Sonho

Todos estavam lá. Seria o Dia das Mães? Cada um com sua lata na mão, uma leve alegria. Papo com um primo, uma piada do tio. É o Bruneco! - " Quanto tempo não te via rapaz, que saudades!". Alguns goles de cerveja. Todos riem. A Vó tá quieta, mas parece feliz. Luizão e Reinaldo discutem política perto da churrasqueira onde Pudim assa carne. Tio Chico vai buscar um cd pra melhorar o clima. Cami traz um tubão fortíssimo e me oferece. Pequeno manda um gole e brinca. As tias conversam na cozinha enquanto a Vó termina a maionese. Chega Zu e Celso com a estrela da festa: Caio - todo lindo com sua roupinha de bebê. É um domingo delicioso, nada diferente, mas tudo como deveria ser. Eu converso com Bruneco, ele está do mesmo modo de sempre: animado, carismático, sorridente.
- Luiz, o Bruno tá morto cara.
- O quê?
- Ele tá morto, isso é um sonho.
Dor. Todas as imagens somem num redemoinho. Eu desperto em pranto. Lágrimas escorrem. Cadê você Bruno? Por que sumiu assim? Eu queria tanto que aquilo não fosse um sonho. Por um minuto eu vi ele novamente. Fazia tanto tempo que não o via, e a última vez foi aquilo? Só posso pensar uma coisa disso, que somente assim consigo lembrar dele, seja em sonho, seja em memória: alguém vivo, acima de tudo alegre, parceiro. Que sonho doloroso e doce ao mesmo tempo, por segundos vi ele novamente vivo ali, como em uma cena que vivi várias vezes, como todos os Dias das Mães que ele tava lá, e que eu achava mais um dia comum. Agora lembrarei como um dos poucos dias do ano que eu o via, e como era bom... Como era bom ter você lá primo.
Saudades.

"My drive is so far away..." - Blue Thunder, Galaxie 500.
"How we break each other's house, isn't it a pitty?" - Isn't it a pitty?, Galaxie 500.