quinta-feira, 28 de julho de 2005

Um dia Qualquer

James acordou, olhou para o relógio: 12:30. Virou para o lado, olhou a janela, lembrou que sonhara aquela noite com o colégio em que estudara. Tempo perdido, angústia, uma época em que não viveu. Estava de ressaca. A noite anterior se embriagou, riu. Algo daquele sonho o remetia ao momento em que parado sentiu um anseio, afinal anseios era só o que sentia naquela época. Incompreensão, sentimentos profusos, idéias vagas. Tudo isso se misturava a confusão própria da idade. Sentia não pertencer aquele mundo, aquele colégio, ao lugar onde morava. A imagem de si não passava de um espelho partido, fragmentado, onde milhares de imagens tentavam refletir o que se passava naquela alma tumultuada. Recorria a razão como último meio de chegar a algum lugar mais preciso do que sua agonia constante. Todas essas idéias passaram como um flash em sua mente. Em um segundo sentiu todas essas sensações e resolveu levantar. Acendeu um cigarro, se apoiou na janela. O sol brilhava intenso, porém James o descoloria. Estava depressivo. Talvez o álcool, talvez mais um lapso de angústia, a velha amiga solitária que o acompanhava sempre. Ligou a tv, porra nenhuma passando. Mesmo sem ter o que fazer, sentia que deveria fazer algo, qualquer coisa. Saiu pelas ruas. Bairro medíocre aquele, vilarejo maldito encravado na Curitiba provinciana do século XXI. O que fazer nessa cidade perdida? Ou melhor, o que fazer no intervalo de um porre à outro? James sempre achou que aquele lugar era perfeito para ser um junkie, mas que bosta ser junkie, que bosta ser qualquer coisa naquela cidade! Lembrou de Ana, aquela que consiguiu fazer James sentir o mundo por duas semanas e que depois retornou ao plano inicial, ao do ideal. Doce imaginação que sempre o acompanhava desde que a conheceu. Linda de morrer, um olhar profundo, malicioso. Um corpo magro porém desenhado. Que perda para James, deixar escapar justamente a mulher de seus sonhos. Voltou para casa, tentou comer alguma coisa. Não conseguiu. Deitou-se novamente. Deixou sua imaginação o levar. A dose de realidade do dia já fora dada. Voltar a ser o que sempre foi: um montoado de idéias vagas, desconexas e sem sentido. Angústia.
Trilha Sonora: Smashing Pumpkins "By Starlight"

quinta-feira, 21 de julho de 2005

A Volta ao Real

O confronto com o cinza. O frio que corrói os ossos. A umidade espalhando-se pelo corpo. Sair do azul intenso da Barra, do desenho perfeito das nuvens e cair no escuro, cinza e gelado inverno curitibano é compreender o que é a passagem mania-depressão. Angústia. Preguiça. Mal-humor. Tardes amarelas ensolaradas, a leve brisa marítima, fria, porém aconchegante. O cair da noite singelo e vagaroso, diminuíndo lentamente a temperatura. A mudança deste cenário para uma realidade um pouco mais chocante: céu cinza, nuvens homogêneas, clima constante: frio. A noite cai como um soco, vento horripilante. Pessoas quase-felizes em seu mundinho alienante e provinciano. Sorrisos estampados em suas camas cobertas com 5 cobertores e um aquecedor, assistindo a novela das 8, tomando mais um chá Vick após 5 dias de espirros constantes. Se entocar, se fechar, se fuder com o resto do mundo. Viver aqui é assim mesmo: que se foda tudo! A volta do cinza dominando o azul. Saudades das trocas de cores, do céu psicodélico no fim de tarde, da areia gelada e firme, da noite embriagantemente estrelada e levemente gelada. A volta à casa nem sempre é boa. Internet, tv à cabo, soulseek, google, blog, telecine. Ferramentas para sobreviver nesta metrópole sufocante.
"In my place, in my place,were lines that I couldn't change,
I was lost, oh yeah. And I was lost, I was lost,
Crossed lines I shouldn't have crossed,I was lost, oh yeah"
(Coldplay, "In my Place")

A Bucólica Barra

Lugar não tão longe desta metrópole infernal, não tão perto que se possa simplesmente ir. Não há nada que lá o possa importunar. Algumas casas de veraneio, alguns pescadores e o mar. A brisa constante que sopra o dia todo, a areia vazia, o sol que brilha ao dia, calmo, sem querer aquecer muito, somente para consolar as almas perdidas que se aventuram a ir lá durante o inverno. Lugar bucólico e até mesmo melancólico, pois não há o que se fazer, e por isso mesmo é o lugar ideal. Imagens, sons, lembranças, fragmentos de memória perdidos em algum lugar do passado perpassam a mente tranquilamente, sem pressa, um fluxo contínuo. Embriagar-se de qualquer coisa que complemente o clima de perdição, entrega ao nada, torna-se necessário. Só, afastado, com a paz de espírito, resta caminhar pela orla marítima e acompanhar as andorinhas que vagam em busca de alimento. Não há pessoas. Não há comércio na beira da praia. Somente o mar e a areia. Sentar-se, fumar um cigarro, deixar a imaginação levar até onde a mente entorpecida pode ir. A noite, o frio e o vento trazem novos ares. Uma fogueira para aquecer, céu estrelado de inverno que na metrópole não há. Deitar-se na areia gelada, olhar para o céu e imaginar formas a partir dos pontos de luz que estão lá. Nada que possa excitar. Somente se apagar e entregar-se ao clima bucólico, fugir da louca realidade da metrópole. Dos carros alucidados, prédios cinzentos, maníacos em potencial vagando pelas ruas turbulentas. Das rotinas fatigantes, do tempo sempre curto e fugaz, das pessoas prontas a implodir e explodir o mundo a sua volta. Na Barra nada disso existe. Só o mar.

Trilha Sonora: Mogwai - Young Team (album)

Caos

Estar sozinho. Ruas cheias de pessoas, carros alucinados, luzes entorpecentes, mendigos, velhas gordas cheias de sacolas da casa china, bebâdos tomando tubão no meio fio, ninfetas em seus uniformes azuis rindo. João olha para o céu, vê fios de luz, vê um pássaro, não vê mais nada. Seu olhar não remete a nada além do caos que sua mente tenta conceber. Sua mãe - quem é ela agora? Seu pai - ele a matou? Onde estou? Onde está a casa velha da vó que ficava ali logo no Seminário? Ah não, estou no centro. Que centro? Anda de um lado para outro, acha uma bituca e acende. Lembra-se de quando era um garoto e tomava banho de rio no barigui. Ou era no passaúna? Anda mais um pouco encontra um pastor gritando, uma velha berrando o jogo do bicho, não aguenta mais essas vozes. Precisa fugir. Para onde? Onde moro? Aqui? Senta-se no chão, o mendigo oferece um tubo, João bebe, deita-se, fecha os olhos. E o inferno começa. Flashes, luzes, sons de todos os lados. João aperta os ouvidos, cerra os olhos. Mas não passa! Porra deixe eu em paz! A noite é longa. Os sonhos piores que a realidade. Mas que realidade? E que sonhos?

Trilha Sonora: Radiohead - Hail to the Thief (album)

Crônica de uma Existência Banal

Raul foi encontrado despedaçado pelo chão. Somente metade de seu corpo havia resistido ao tempo. Haviam 13 dias estava ali, jogado na mesma posição que havia caído, em um pátio de um lugar bucólico cercado de uma mata verde intensa e perfumada. Ninguém notou a falta de Raul, nem mesmo ele notou sua Falta. Dizem que Raul sobrevivia com R& 2,00: uma pinga "Havaianinha" e um cigarro de nome italiano. Cuidava de uma propriedade que cuidava dele. Sua tarefa era simples: tratar algumas almas animais e cuidar da casa, tarefa esta que Raul não conseguia exercer muito bem. Em seu último dia Raul cumpriu sua tarefa, alimentou seus amigos, únicos companheiros e resolveu partir. Ser era muito dificil para ele. Não-Ser foi sua escolha. Dizem que na última vez que Raul foi visto e ouvido, estava entregue a insanidade do mundo. Não suportara a abstinência ao alcool e num surto paranóico entregou-se a seus fantasmas, a dor, a solidão, ao vazio que remetia o simples ato de existir. Raul nunca existiu. Ninguém lembrou-se quem era Raul. Quem conseguia responder esta simples questão exprimia: "era um bebâdo qualquer, meio louco, meio mendigo". Seus filhos esqueceram que Raul estava vivo. Seus patrões esqueceram também. Seus amigos, se é que existiam, também. Esqueceram também que ele estava morto, pois há muito Raul havia morrido. Somente uma carcaça, cheia de marcas e uma expressão sempre gélida. Raul caiu após o surto. A cirrose estorou. E ficou ali, perto da terra onde encerraria sua mísera existência. Ainda morto, Raul serviu aos seus amigos com aquilo somente que pôde servir em toda sua existência: seu corpo.
Trilha Sonora: Radiohead "How to Disappear Completely"