domingo, 17 de fevereiro de 2019

A Casinha Verde

Para Zenilda Felsinger,


Foi lá naquela casinha verde, situada no Jardim Bela Vista, em Porto União-SC, que eu conheci a Dona Ida. Eu lembro bem até hoje. Eu trazia a Hilda de volta para casa após nossos primeiros encontros. Desde a primeira vez ela perguntava: "quer descer, conhecer meus pais?". Na primeira vez eu recusei. Na segunda senti que aquela história ia desenrolar, e muito ainda. "Sim".

O Seu Hugo fez um interrogatório digno de um policial, como eu esperava que seria. Estava preocupado com quem a filha dele estava saindo. A Ida era só sorrisos, como sempre foi comigo. Foram umas duas horas de papo e chimarrão. E aquela altura, eu já me sentia membro da família.

Foi assim que ela sempre me tratou. Do primeiro minuto ao último. Como um filho, alguém muito próximo.

Eu não tinha como não gostar da Ida. Ela era uma outsider como eu. Alguém que simplesmente se negava a enquadrar-se em uma sociedade tão quadrada e pronta. Ela era do jeito que era. E não dava a mínima para quem não a aceitava.

A Casinha Verde era o tesouro da Dona Ida. Era lá que ela guardava tudo o que achava e considerava belo. Para aqueles que não conhecem o mundo de um acumulador, tudo aquilo que eles guardam tem um significado. Pode ser uma simples embalagem de um sorvete, uma caixa vazia de bombom. Para eles, esta é a lembrança física de algo muito bom e que eles gostariam de guardar como memória. O acumulador ergue barreiras de coisas para tentar ocultar uma dor. Uma dor que possivelmente você também não seria capaz de sentir.

Havia atrás de todos aqueles sorrisos lindos da Ida uma tristeza. Uma tristeza que talvez nós não sejamos capaz de desvendar. Algo que sua doçura e paz ocultavam. A dor do mundo.

Eu que nunca me achei melhor que ninguém, via uma identificação direta com a Ida. Ela sabia das coisas. Ela era muito inteligente, e quem não percebia isso não a conhecia. Toda a vez que a Hilda falava da sua dor de estar longe de sua família, vivendo comigo e Gabi na Lapa, a Ida sempre amenizava: "é a sua vida minha filha. A vida que você escolheu com o seu marido. Você está bem na Lapa".

Eu nunca pude perceber um pensamento negativo se quer na Ida. Ela vivia a vida intensamente, sem bloqueios, sem receios, sem qualquer pudor quanto ao que os outros pensavam sobre ela. E muitos não a compreendiam por ela ser assim. Eu a admirava. Era assim que eu queria ser. E foi assim que eu apreendi com ela como encarar a vida. Sem portas, sem medo de ser feliz.

Naquela tarde de dezembro de 2018, quando eu voltei à Casinha Verde depois de tanto tempo, eu desabei. Seu Hugo havia feito praticamente um santuário. Na parede vários quadros com fotos da Ida desde os 15 anos. Fotos da Cristina, da Hilda, pequenininhas. Momentos sagrados de uma família feliz. Eu vendo tudo aquilo, em tão pouco tempo após sua morte, tive que sair. E rodei pelo bairro do Santa Rosa por alguns minutos até me recompor.

Sim, foi naquela Casinha Verde que uma família construiu sua vida. Foi ali que eu tive a honra de ser aceito como membro dessa mesma família. Foi ali que Ida viveu seus últimos anos. E ali ela deixou sua marca, sua história, sua vida. Saudades.

Trilha Sonora: Black Rebel Motorcycle Club: "Lose Yourself", "Sweet Feeling".