quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Preguiça

"I didn't go to work for a month
I didn't leave my bed for eight days straight
I haven't hung out with anyone
'Cause if I did, I'd have nothing to say

I didn't feel angry or depressed
I didn't feel anything at all
I didn't want to go to bed
And I didn't want to stay up late"
(Modest Mouse - "Whenever you breathe out, I breathe in")




A preguiça corrói meus ossos. Uma estagnação constante, vontade de não-movimento. Quieto, parado e escondido. Esconder-se do quê? Do que é a sua própria vida? Pura contradição. E não é a contradição a própria essência da vida?

Deveria apenas agir, escolher um rumo e seguir. Mas algo trava, puxa-me para o nada. Pura inércia. E sendo assim um pequeno empurrão serviria para colocar o corpo em movimento contínuo, até que outra força o parasse. Mas falta também esse estímulo.

Na real hoje não quero outra coisa a não ser parar. Comecei o dia já querendo que ele acabe. E quando o dia começa assim, dificilmente acontece algo para mudar esse estranho rumo.

Quando apenas esperamos que algo mude a nossa sorte, quando somente lançamos nosso destino ao por vir, dificilmente algo acontecerá. Parece mentira, mas uma pequena partícula nossa de vontade e motivação altera a ordem do mundo. Pelo menos nosso mundo passa a funcionar, assim como apertamos a tecla de força de um notebook e o sistema se inicia. Sem esse mínimo esforço o computador nunca iria ligar-se e começar a funcionar.  

Trilha Sonora: Modest Mouse "Whenever You breathe out, I breathe in".

Obs.: o velho Modest Mouse volta a tocar por aqui, companheiro de muitas fases de tédio e preguiça!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Leveza

Mente vazia, praticamente livre de pensamentos.
Vida que passa sem querer passar.
Sigo apenas acompanhando o fluxo.
E assim vou levando-me.

Já foi bem mais difícil.
Torno o agora fácil.
É estranho não ter expectativas?
Elas nunca ajudaram.

Será que o ano já começou?
Não o sinto mais.
Deve ser o devir.
Que já não avisa mais.

Tenho medo de perder-me.
Neste ritmo que quase não pulsa.
Mas é bom, não é ruim não.
Até quando?

Trilha Sonora: The National "High Violet" [2010].

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A arte de amar

Eu já amei em silêncio. Já o escancarei ao mundo dezenas de vezes. Subi montanhas e caí em precipícios atrás dele (ou do que eu pensava ser ele). Já imaginei ser apenas uma criação de minha mente fantasiosa. Quis um dia que ele não existisse, para no outro arrepender-me até o último por ter desejado isso.

Um dia apaixonei-me por uma idéia. Passei anos tentando compreender o porquê disso e tentando superar o golpe que foi constatar que ela não iria se materializar e tornar-se "real". Depois disso sobrou apenas a incredulidade.

Então ocorreu-me de constatar que não era o "amar" que eu procurava, mas sim eu buscava ser amado. Mas esta busca durou pouco, pois um dia senti ser invadido por um sentimento muito intenso de quem supostamente amava-me. Fui sugado, devorado. O que era isso? Se ser amado é isso? Então não quero amar.

Porém isso aconteceu também. Em meio ao ceticismo, ao desespero de quem não sabe esperar e sem saber o que virá fui acometido por um turbilhão de sentimentos incógnitos. Fui arremeçado a um mar desconhecido onde meu corpo lutava para não afundar. Era uma sede, uma tensão insuportável, era o desejo. Queimava-me, sufocava-me e o alívio que vinha diante do objeto amado era inebriante. Mas ao distanciar-se uma sombra cobria-me, um vazio tomava conta e a dor era insuportável. Fugi e prometi nunca mais viver isso.

Anos se passaram e as lembranças da intensidade desse sentimento não se apagavam. A culpa pela fuga - fuga de si mesmo - torturava. Por que evitar seu próprio desejo e não pagar o seu preço? A lição ficou para a prosperidade.

Hoje já não penso, não busco e nem fujo do amor. Apenas o vivo. As marcas que ficaram fortaleceram-me. A intensidade foi substituída pela extensionalidade. A busca por uma compreensão, uma racionalidade, do que é inexplicável foi substituída pela experiência e vivência livre do afeto, daquilo que não pode ser quantificável e nem controlado. Enfim, desisti de buscar a ciência do amor para viver a arte de amar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Melancholia - parte II


Carlos acordou assustado ao sentir o toque de alguém em seu braço. Isso era impossível, pois estava só há meses. Ao despertar viu a silhueta de uma criança e ao forçar a visão achou ser Aninha. Logo uma explosão de sentimentos tomou conta dele. Coração disparado, lágrimas e respiração ofegante. Era sua filha, que logo saiu correndo pelo corredor. Sem saber o que fazer foi atrás, gritando o eu nome.

Acabou na praia e quando não mais a viu, se desesperou. Fora mais um delírio, mas este havia sido real demais. Havia quase um ano, desde o enterro, que não a via. Um misto de saudades, dor e alegria. Depois a frustração o tomou. O dia do funeral não sai ade sua cabeça, Por mais que tentasse esquecer e se afundar no álcool, estava preso lá.

Era uma família realizada, quase daquelas de comercial de margarina. Carlos era um jovem professor  que já se destacava na universidade que lecionava. Era muito carismático e ao mesmo tempo muito bom professor, dominava seus temas de estudo como poucos professores mais experientes. Após uma decepção amorosa, um relacionamento de 8 anos que não deu em nada, conheceu Julia, uma jovem fisioterapeuta que acabara de se formar. 

Logo estabeleceram uma relação de cumplicidade jamais experimentada por ambos. Não fora daquelas paixões loucas que sempre acabam em desilusão. Foi um amor que suscetivamente foi sendo construído. Não pularam nenhuma etapa, não cometeram nenhuma loucura. A cada dia sentiam-se mais próximos e apaixonados. Não durou um ano e casaram. 

Mais um ano e chegou Sabrina, a primeira filha. Após a gravidez Julia foi convocada em um concurso estadual e começou a trabalhar em um hospital público. Carlos assumia mais disciplinas e um cargo administrativo na universidade. Parecia clichê, mas a vida do casal corria quase como um sonho pequeno burguês: financiaram uma casa, compraram um cachorro, prosperavam em seus empregos. Dois anos depois veio Aninha, a caçula. 

Carlos gostava muito de beber e Julia até o acompanhava. Normalmente não acontecia nada demais, uma vez ou outra ele acabava exagerando e tomava um porrete, porém nunca ficava agressivo ou cometia besteiras. Pelo contrário, ficava muito engraçado e as meninas caiam na gargalhada com suas palhaçadas. 

Porém, naquela tarde de verão, em um casamento de uns amigos numa cidade próxima, as coisas não se saíram dessa forma.

(continua...)

Trilha Sonora:  "Saviour" - Annelise Noronha