terça-feira, 27 de setembro de 2005

A Espera


Levantar às oito da manhã e ver que o sol não brilharia aquele dia. Café frio, fumar metade do cigarro que não terminara de fumar no dia anterior. Coisas que apesar de banais fazem algum sentido quando não se esta preocupado em achar algum. Se o dia esta só por começar, tudo pode-se esperar, mesmo esperar por nada. Afinal parece que a vida é uma constante espera...
João esperava encontrar Ana. Andava pelas ruas procurando o seu rosto em cada mulher que passava ao seu lado. Qualquer traço, qualquer semelhança, qualquer ponto difuso que por alguma razão o fizesse lembrar de Ana. Ele se cansava disto, mas logo estava esperando que fosse realmente Ana. Neste dia porém ele não pensou nela. Não pensara em nada na verdade. Andava tranquilamente pela rua XV observando a paisagem de sempre. Quando olhou para a frente, coisa rara já que anda olhando para o chão, viu Ana. Fazia meses que não a encontrava. Por alguma ironia, estava bem em frente ao prédio de seu analista. Ali onde passara mais de dois anos falando justamente sobre Ana... Conversaram pouco, ele não sabia muito bem o que dizer. Sentiu um tremor nos exatos um minuto e meio que conversara com ela. Saiu meio desacorsoado, sem saber o que pensar. Ele tinha tantas coisas que gostaria de dizer a ela! Mas dizer o quê, quando afinal, anos se passaram. Ana não era mais Ana, pelo menos a Ana que João sempre quis que fosse. João não era mais João. Duas histórias inteiras aconteceram até que se cruzassem neste ponto, neste fatídico dia onde por um minuto e meio ambos conversaram e João descobrira que não era Ana que procurava. Era a espera, a espera por Ana o que procurara por esses meses todos. Espera essa que acabou ao ver que aquela Ana não existia mais.
Trilha Sonora: Pink Floyd "If" (From Atom Heart Mother's album)

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Life in a Glass House

Ele não conseguia entender porque era assim. Acordou atrasado naquele dia. Seu café da manhã foi um cigarro. Ficou esperando o ônibus enquanto olhava para uma velha sebosa que parecia procurar seu cartão-transporte em alguma parte de uma bolsa velha de couro. Terminou seu cigarro, o ônibus chegou. Lotado, amarrotado, cheiro de trabalhador. Olhou para o lado e viu uma ninfeta toda arisca. Não para ele. Pelo menos tinha o quê olhar no meio de uma multidão de trabalhadores, velhas rabugentas e gordas crentes. Era o mínimo de contemplação num ônibus lotado às 6:32 da manhã. Chegou ao centro da cidade. Multidões de zumbis seguindo seus caminhos. Vendedores oferecendo cigarros, pão de queijo; cd, cd, cd. Ficou puto, não queria trabalhar. Olhar aquelas mesmas caras de sempre, mesmas tarefas de sempre. Lembrou de Maria, do verão, do cheiro de seus cabelos, do sorriso maroto, das safadezas. Flashes de memória que sempre insistem em aparecer em momentos nada agradáveis. Fumaça dos carros, traveco na esquina, mendigos deitados no chão frio da calçada, molequinhos cheirando cola. Ganha trezentos reais, trabalha quarenta horas semanais, V.R de cincão. Gosta de pescar nos fins de semana. Toma uma garrafa de pinga, aquela de um real e garrafa de plástico, fuma uma carteira de cigarros italianos e vai embora sem nenhum peixe. Na volta passa no boteco, joga truco, arruma uma briga e vai louco pra casa, balbuciando palavras soltas. Ressaca, dor de cabeça, dia chuvoso e um frio que congela os ossos. Acha tudo isso uma porra de vida. Mas não sabe porque tudo é assim.
Trilha Sonora: Radiohead "Life in a Glass House"

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Dias de Chuva

Dias de chuva são sempre tristes. Parece que as esperanças dão uma trégua e o mundo volta-se para si. E esta volta é nada mais do que a volta ao real. Carlos gostava dos dias de chuva. Apesar de sempre sentir-se mais angustiado nesses dias, eram momentos em que podia sentir muito bem algo que se passava além de seu mundo próprio, o que era raro. Naquele dia frio e encharcado na Capital Social resolveu encharcar-se, de álcool. Procurou o bar mais sujo que conhecia, pois era assim que queria sentir-se: imundo. Escolheu um daqueles ao lado do passeio público. Junkies, putas, vagabundos de rua e estudantes perversos eram o público que ali frequentava. Carlos não se enquadrava em nenhum dos perfis acima. Mas naquele dia, sentia-se um pouco de cada um. Ele não sabia porque estava sentindo-se assim, sentia somente uma vontade incontrolável de entregar-se a insensatez e ao delírio alcoólico. Iniciou-se então sua jornada rumo ao inferno, ao seu inferno, afinal o ambiente já era este. Pediu uma garrafa de conhaque da mais vagabunda, alguns pedaços de limão e uma carteira de cigarros italianos. Algumas putas tentaram mexer com ele, mas com o olhar parado, fixado para a janela que dava para rua, nem percebeu. De início suas idéias vagavam como sempre: fatos do passado, mulheres perdidas, o filho abortado, a mãe louca. Logo pensou que tinha que trabalhar no dia seguinte, mas pouco se fodendo, esqueceu logo. Queria esquecer de tudo, da sua vidinha porca, do trabalho burocrático e escroto do escritório, da porra daquela cidade cinza e fria, de seu mundo fantástico que criara em suas idéias. Por que diabos não vivia? Não conseguia viver a vida que ele mesmo escolhera para si! Já nesse ponto, sentia a embriaguez tomar aos poucos conta de seu esguio corpo. Suas idéias começavam a embaralhar-se, todos sentimentos pareciam ser um único mesmo. Chorou um pouco, bebeu um monte. Apoiou a cabeça na mesa, queria dormir, mas não conseguia. Nem mesmo o álcool fazia aquelas idéias pararem. Nada afinal fazia aquele tormento parar. Não era o fluxo contínuo de idéias seu problema; era a sua vida toda que não fazia sentido e não encaixava-se à suas idéias. Já era noite, estava muito mais frio. Levantou-se cambaleando, pagou a conta e saiu andando pela centro sujo e encharcado. Sentou-se em um banco na Santos Andrade. Chovia muito naquele momento. Carlos não ligava, não ligava mais para nada. O dia havia acabado, nada mudara. Amanhã estaria de ressaca, trabalhando naquela porra de escritório, sozinho como sempre. Ele com as idéias. O mundo com a vida.
Trilha Sonora: Modest Mouse This is a Long Drive for Someone With Nothing to Think About (album)