sábado, 23 de maio de 2009

Lucia

Passamos a tarde inteira em seu apartamento. Céu cinzento, garoa fina lá fora. Quando cheguei Lucia estava só de calcinha, com uma camiseta velha do Sonic Youth. Conhecemo-nos em um boteco que sempre frequento. Estava lá ela sentada, fumando um cigarro atrás do outro, sem perceber as pessoas a sua volta. É difícil definir a relação que tenho com ela. Às vezes nos encontramos e passamos longas horas juntos, conversando sobre qualquer coisa. Outras vezes só transamos. Já tentamos engatar um namoro, mas logo acabou. Não conseguimos superar as diferenças mais básicas. Uma relação aberta que acabou se fechando.

Entrei e me joguei no pufe marrom que fica próximo a uma grande janela. Esta sala tem uma vista maravilhosa do centro de Curitiba. Lucia colocou o cd do Joy Division e eu já sabia: vamos fumar um. Geralmente era a mesma coisa: Joy Division – fumar um – transar – morrer no sofá – transar de novo – sair para comer algo. Mas Lucia conseguia fazer tudo parecer diferente e novo cada vez. Ela tem a pele bem clara, olhos verdes. Um jeito soturno, é o tempo todo séria e as poucas vezes que sorri é magnífico. O que me atraiu nela, de cara, foi uma aparente frieza. Sempre irônica e cáustica com tudo e todos. Ela aparentava ser muito fechada, falava pouco. Eu gostava da forma como se guardava – escondia o jogo.

Sexualmente ela explodia. Aquela menina séria e calada tornava-se uma puta. Lucia gozava de um jeito muito louco. Ela começa a se contorcer e a emitir grunhidos estranhos que vão crescendo até o fim. Parece um animal em fúria. De inicio estranhei, depois comecei a apreciar a forma naturalesca de seu gozo. 

Ficamos mais um tempo estendidos por ali e resolvemos sair. Eu adoro rodar pela cidade de carro. Era umas nove da noite, o centro já estava mais quieto. Eu estava louco para tomar uma cerveja, mas não estava afim de ver pessoas. Compramos umas garrafas e decidimos ir ao parque beber.  Sentamos em frente ao lago. Caia uma fina neblina nessa hora.

- Por que não demos certo? - Perguntou Lucia. - Nos entendemos tão bem, o sexo é bom.

- Estávamos muito loucos naquela época. Tudo era tão confuso. Você acabara de perder sua mãe. Eu bebendo pra caralho.

- Mas e agora? Por que não ficamos juntos?

- Porque agora nos conhecemos. 

Era estranho isso. Mas era real. Enquanto Lucia era um enigma para mim tudo ia bem. Quando comecei adentrar em seu mundo, tudo ruiu. A questão não era sua vida conturbada na época. Era a combinação. Lucia em paz já era um inferno. Sem beber já não sou das melhores pessoas para se conviver. Um tentava segurar as pontas do outro. O que para nós significou: "um controlar a vida do outro". E a liberdade de cada um implodiu.

Senti um tom de tristeza em sua fala naquele dia. Quando voltamos a nos falar decidimos que não iríamos mais tocar no assunto da separação. Mas era inevitável. As lembranças estavam frescas ainda. As brigas, os jogos sexuais que só buscavam auto depreciação. As humilhações. As perdas. Na verdade não sei como conseguimos voltar a se encontrar. Era como um acordo tácito: não podemos ter tudo um do outro, mas não conseguimos ficar sem ao menos uma parte. Era triste, mas era o que restou. Lucia voltou a ser um enigma. E eu a cair fora quando torno-me insuportável.

Trilha Sonora: The Veils: "Lavinia", "The Leavers Dance", "Talk Down the Girl", "The Valley of New Orleans", "Vicious Traditions", "The Nowhere Man" (todas do álbum "Runaway Found" (2004); The Verve: "Valium Skyes", "Numbness" (ambas do álbum "Fourth" (2008).