Onde estou? Em que mundo ou
realidade paralela eu vivo – pensou Carlos enquanto tomava uma xícara de café
observado o bosque que circunda sua sala de trabalho. Lembrou de uma sessão de análise
em que formulou uma metáfora de que achava ser sua vida um filme que ao invés
de ele ser o diretor era mero expectador. Era como se ele posiciona-se fora de
si e visse as coisas acontecerem quase sem ter controle. E à essa ideia chegou
após constatar que perdera muitas oportunidades na vida apenas por não
percebê-las, negando sua realidade e sempre desligado com a mente vagando por
longos devaneios e sonhos acordados.
Enquanto sua mente perdia-se na
criação destas estórias fictícias, a vida concreta acontecia bem em frente aos
seus olhos e boa parte disso ele perdia, ausentava-se ou mesmo negava. Assim
não aceitou um emprego por achar que não era bem o que ele imaginava, que
poderia esperar por uma vaga que correspondesse exatamente o que sonhara, e
assim viu um colega seu assumir a vaga e meses depois ser transferido para
Florianópolis, como diretor.
Teve a vez em que estava numa
crise terrível no seu namoro com Sabrina. Esta queria abandoná-lo, mas não
tinha coragem. Ao invés de terminar o relacionamento, Sabrina o enrolava, dava
desculpas para não vê-lo e fingia tudo estar bem. Enquanto isso Carlos foi
deprimindo-se, buscando alívio no álcool e internet. Em uma das noites de
bebedeira em frente ao computador conheceu Larissa, que estava solteira e
apaixonou-se por Carlos. Este ficou com o dilema entre tentar reerguer o namoro
capenga ou arriscar uma nova aventura. Por sua lógica fantasiosa e medrosa
preferiu continuar aquela relação insatisfatória, mas confortável. Teve medo de
perder Sabrina e ao mesmo tempo não dar certo com Larissa. Ficou com o álcool,
pois logo Larissa caiu fora ao ver que ele não daria um passo a mais e não a
chamaria para um encontro.
Era um medo do novo, de
arriscar-se em busca de outras saídas e uma aceitação quase cega de que tudo
aquilo que acreditava ser seu destino. “Era para ser assim e pronto”. “Larissa
seria um sonho de mulher caso não houvesse Sabrina”. “Aquele emprego seria
ótimo se eu já não estivesse empregado agora” – era assim que ele pensava
naquela época.
Passado algum tempo, ao constatar
que perdera algo que poderia ser muito recompensador, angustiava-se em diversos
pensamentos culposos, imaginando como
teria sido. Ou como seria se estivesse vivendo outra vida agora, como por
exemplo, com um emprego legal, uma mulher que lhe desse atenção e fosse
maravilhosa. E quando olhava o que tinha, um emprego medíocre mas garantido e
uma falsa namorada mas que não o abandonava, achava que era o que podia ter,
que deveria aceitar sua realidade ao invés de ficar criando estórias
fantasiosas e idealizadas.
Era uma constante luta entre sua
realidade mesquinha e constante e seus sonhos loucos e idealizados. Ele se
imaginava com aquela gata estagiária do setor de compras, mas no dia-a-dia mal
a encarava para cumprimenta-la. Achava que pelo fato do gerente ter saído com
ela não daria bola para um mero assistente.
Mas nunca tentou uma investida para confirmar se isso era verdade.
Na real era muito mais fácil
sonhar e criar estórias maravilhosas em sua mente do que tentar procurar
soluções concretas e reais. Com certeza a realidade seria bem diferente de sua
imaginação e as coisas não teriam um andamento e fim como ele havia fantasiado.
Poderia ser bom, ruim ou nada. Mas seria real. Melhor ou pior, teria uma
existência verdadeira ao invés de serem apenas estórias irreais que além de só
existirem em sua cabeça apenas serviam para desviá-lo da realidade que acontecia
irredutível à sua frente e que ele quase que inconscientemente não a via.
“Quantas vezes você perdeu o
“Trem da História”Carlos?” – perguntou sua analista certo dia. “Muitas vezes, e
em quase todas eu ainda vi o trem saindo da estação, Doutora” – respondeu abismado
e completamente confuso.
Trilha Sonora: "Vida Que Não Pára" - Odair José.