segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Trem da História [Conto]


Onde estou? Em que mundo ou realidade paralela eu vivo – pensou Carlos enquanto tomava uma xícara de café observado o bosque que circunda sua sala de trabalho. Lembrou de uma sessão de análise em que formulou uma metáfora de que achava ser sua vida um filme que ao invés de ele ser o diretor era mero expectador. Era como se ele posiciona-se fora de si e visse as coisas acontecerem quase sem ter controle. E à essa ideia chegou após constatar que perdera muitas oportunidades na vida apenas por não percebê-las, negando sua realidade e sempre desligado com a mente vagando por longos devaneios e sonhos acordados.

Enquanto sua mente perdia-se na criação destas estórias fictícias, a vida concreta acontecia bem em frente aos seus olhos e boa parte disso ele perdia, ausentava-se ou mesmo negava. Assim não aceitou um emprego por achar que não era bem o que ele imaginava, que poderia esperar por uma vaga que correspondesse exatamente o que sonhara, e assim viu um colega seu assumir a vaga e meses depois ser transferido para Florianópolis, como diretor.

Teve a vez em que estava numa crise terrível no seu namoro com Sabrina. Esta queria abandoná-lo, mas não tinha coragem. Ao invés de terminar o relacionamento, Sabrina o enrolava, dava desculpas para não vê-lo e fingia tudo estar bem. Enquanto isso Carlos foi deprimindo-se, buscando alívio no álcool e internet. Em uma das noites de bebedeira em frente ao computador conheceu Larissa, que estava solteira e apaixonou-se por Carlos. Este ficou com o dilema entre tentar reerguer o namoro capenga ou arriscar uma nova aventura. Por sua lógica fantasiosa e medrosa preferiu continuar aquela relação insatisfatória, mas confortável. Teve medo de perder Sabrina e ao mesmo tempo não dar certo com Larissa. Ficou com o álcool, pois logo Larissa caiu fora ao ver que ele não daria um passo a mais e não a chamaria para um encontro.

Era um medo do novo, de arriscar-se em busca de outras saídas e uma aceitação quase cega de que tudo aquilo que acreditava ser seu destino. “Era para ser assim e pronto”. “Larissa seria um sonho de mulher caso não houvesse Sabrina”. “Aquele emprego seria ótimo se eu já não estivesse empregado agora” – era assim que ele pensava naquela época.

Passado algum tempo, ao constatar que perdera algo que poderia ser muito recompensador, angustiava-se em diversos pensamentos culposos,  imaginando como teria sido. Ou como seria se estivesse vivendo outra vida agora, como por exemplo, com um emprego legal, uma mulher que lhe desse atenção e fosse maravilhosa. E quando olhava o que tinha, um emprego medíocre mas garantido e uma falsa namorada mas que não o abandonava, achava que era o que podia ter, que deveria aceitar sua realidade ao invés de ficar criando estórias fantasiosas e idealizadas.  

Era uma constante luta entre sua realidade mesquinha e constante e seus sonhos loucos e idealizados. Ele se imaginava com aquela gata estagiária do setor de compras, mas no dia-a-dia mal a encarava para cumprimenta-la. Achava que pelo fato do gerente ter saído com ela não daria bola para um mero assistente.  Mas nunca tentou uma investida para confirmar se isso era verdade.

Na real era muito mais fácil sonhar e criar estórias maravilhosas em sua mente do que tentar procurar soluções concretas e reais. Com certeza a realidade seria bem diferente de sua imaginação e as coisas não teriam um andamento e fim como ele havia fantasiado. Poderia ser bom, ruim ou nada. Mas seria real. Melhor ou pior, teria uma existência verdadeira ao invés de serem apenas estórias irreais que além de só existirem em sua cabeça apenas serviam para desviá-lo da realidade que acontecia irredutível à sua frente e que ele quase que inconscientemente não a via.

“Quantas vezes você perdeu o “Trem da História”Carlos?” – perguntou sua analista certo dia. “Muitas vezes, e em quase todas eu ainda vi o trem saindo da estação, Doutora” – respondeu abismado e completamente confuso. 

Trilha Sonora: "Vida Que Não Pára" - Odair José. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ressaca (2012)

Sinto-me ainda como se 2012 não houvesse acabado, como em aqueles porres que dois dias após você ainda sente os efeitos da monstruosa bebedeira. Neste caso foi um ano em que fui atacado por uma “avalanche” de acontecimentos, mudanças, sentimentos, perdas e ganhos, tanto que não consigo ainda elaborá-los muito bem. 

E essa ressaca traz ainda um sentimento de vazio pelo início do ano, como se tudo tivesse voltado ao “normal”, ou seja, à escassez ou os poucos acontecimentos que a vidinha cotidiana nos oferece sempre, e isso acaba tornando o início do ano um pouco “chato”. Não que eu quisesse mais mudanças e sobressaltos, apenas que a sensação é de que o ano ainda não engrenou. 

Como toda ressaca é necessário recuperar-se. Deixar a poeira assentar, cuidar de tudo e não ter pressa. Aos poucos as coisas irão encaixando-se. 

Sinto na verdade uma enorme preguiça de começar tudo – principalmente de trabalhar e realizar algo de útil. A entrega ao ócio contaminou-me no recesso e agora sofro a “abstinência de vagabundagem”, ou seja, não aceitei ainda que o ano já começou e agora é “para valer”! Mas é assim que a vida é: sempre diferente daquilo que imaginamos, ás vezes um pouquinho melhor, mas sempre um pouco pior do que sonhamos! 

Trilha Sonora: Tame Impala "Feel like we only go backwards".