segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Sábado, 3 da Tarde

Que porra de vida era aquela? Acordar cambaleando, tomar café amargo e frio. Ressaca do caralho. Não se lembrava de como fora parar ali, no chão. Olhou pro lado e viu uma garrafa de plástico de pinga, amassada. Gosto de azia. Levantou-se, ligou a televisão. Sacou que era sábado, que aquela semana infernal tinha acabado e logo começaria novamente. Não sabia o que fazer. Não queria comer. Colocou um cd do Lou Reed. Flashes, traços de memória, um soco. Olhou no espelho. Hematoma roxa no olho esquerdo. Uma putinha correndo e gritando. Escuro. Que merda aconteceu? Foda-se. Telefone toca. Não quer atender. Uma leve melancolia bate, esparrama-se pelo chão, acha um cigarro e o acende. Não quer comer, sente seu estômago corroer. Abre a geladeira. Um resto de pinga. Apoia-se na porta, vira todo o resto em um gole. Gospe, os olhos lacrimejam. Chuta o lixo, soca a parede. Lembra-se de Sarah, de seu rosto fechado ao partir e deixar tudo... quebrado. Não sente sua mão enxarcada de sangue. Não sente seu peito bater. Não sente-se. Just a perfect day...
Trilha Sonora: Modest Mouse "Trailer Trash"; Lou Reed "Perfect Day".

terça-feira, 11 de outubro de 2005

True Love Waits

Joey sabia que o amor verdadeiro espera. Há a espera, sempre houve. Mas até quando? Se questionava enquanto olhava pela janela do ônibus. Sempre o acreditou enquanto estava longe de si, isolado. Distante, mas não tanto que o possa alcançar, ao menos a superfície. Vagava e vagava entre pensamentos e devaneios. Se aproximava e se afligia. Dentro de si sempre o sentiu. Estava sempre latente, pronto a romper o peito e lhe destruir por inteiro. Fugia. Sempre fugiu. Esperava e discontente se satisfazia. Imagens, sons, fragmentos de delírio. Dentro de si podia existir, e esperar. A cada ameaça de realização recuava. Se remoía. Se perdia... Sonhava com o dia perfeito. Com a vida transformada em ilusão. Decidiu um dia que nunca mais iria se iludir. E como num passo apertado, cambaleante, caiu. Foi aos infernos e voltou. Achou-se recuperado. Doce ilusão. O real o machucou, mas não pôde sentir. Anda pelas ruas como se não existissem. Respira como se não houvesse ar. Conversa com espíritos como se fossem gente. E a espera? E o amor que espera? A verdade submetida ao confronto, não surge. Tonto, desalmado vive. A espera com os fantasmas. O Fantasma.
Such a pretty garden
Such a pretty house
With no alarms and no surprises
(No Surprises, Radiohead)
I'm not living
I'm just killing time
Your tiny hands
Your crazy kiss and smile
Just lonely, lhhhonely..
Just lonely, lonely..
(Tue Love Waits, Radiohead)

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

A Dúvida?

Passar a vida toda com(o) uma dúvida. A procura por Algo que somente imaginariamente existiu e que há de surgir. Ou não? Se há alguma lógica nessa teia de fantasias, onde encontrá-la. Marcos acreditou um dia que pudesse se realizar, viver algo do real que o satisfizesse. Nesta busca se perdeu, voltou atrás, deu passos adiante. Não saiu do lugar. Sonhou com a completude, acordou com o vazio de sempre. Quis sempre depositar todas suas esperanças em alguém, alguém que sempre esteve em sua imaginação. Do confronto desta com o mundo ao seu redor quebrou-se em vários pedaços e que nunca puderam ser reconstituídos. A dor surgida daí nunca pode ser realmente sentida. Isolação. Barreiras construídas. Esperava um dia voltar a respirar. Mas tinha medo. Sufocado sempre sobreviveu. Mas o ar lá de fora é demais! Seu mundinho, fakie plastic world, era tudo o que tinha. Hipócrita. Preto-e-branco mas delimitado. O sonho impossível era o que permitia algo ser possível, algo que esperado já exista por si só. Mas viver é tão... sonso. Querer sempre mais, nunca se contentar, isso o movia, mesmo que só. Dentro de si era possível existir, mas e fora? O que há? Não saber o que sentir. Não sentir. Sentir? Perdido no combate irreal do impossível, entre a sobrevivência e a ausência, entre o desejo e a anulação. Nos extremos se configurou e deles não partiu mais. O que sente agora? Isto é sentir? Ou imaginar? Por que diabos nunca sabe, ele nunca soube saber responder. Afinal para Marcos o que não pode ser duvidado não pode simplesmente existir. Não há nada entre a dúvida e a resposta. Dos dogmas bestialmente apreendidos em sua fraca existência herdou somente o pior de todos, o dogma da não-crença. Ele só queria viver, viver sem. Viver com. Não queria a busca, não queria a espera, mas o que sobra? Da espera fez-se enquanto falta-a-ser. Da busca, seu único modo de seguir, seguir sem nunca alcançar o que não pode nunca ser alcançado e que assim permaneça. E agora que alcancei?

terça-feira, 4 de outubro de 2005

2:02

Eram 2:02 da manhã e Valquíria não queria dormir. Passou o dia no escritório olhando para a janela, no 17º andar. Acendeu um cigarro enquanto vagava sem rumo pela internet. Blogs, messenger, orkut, winamp tocando Modest Mouse. Havia conversado com Pedro, e talvez por isso não conseguia dormir. A meses conversava com ele pelo messenger e nada. Sentia que ele gostava dela sim, mas e Laísa? O que ele faz com ela? Por que está com ela e não comigo? Se perguntava isso sempre, nunca para Pedro. Na verdade ao falar com ele se calava. Se escondia. Deixava sempre algo escapar. E ele pegava, quase sempre pegava. E isso a deixava furiosa. Mesmo sabendo que Pedro namorava Laísa há anos, nutria uma espécie de esperança. Era somente essa esperança que a fazia se mover nos últimos meses. Sem essa, o que esperar? Entre entregar-se a algum desconhecido e se iludir com Pedro, escolhia sempre o mais próximo. E a ilusão sempre a acompanhou. Ela talvez não quisesse algo sério com Pedro, somente alguns momentos de descontração, diversão, perdição. Mas no fundo sabia que não era só isso. Que havia algo dele que a assustava, a atraía e confundia. Afinal por que conversar por meses com alguém que se quer se via a fazia delirar assim? Palavras bonitas, inteligência, descontração? Isso não bastava para uma alma apertada e escorregadia como a de Valquíria. Sedução sim, isso acontecia. Pedro com seu jeito sonso e perdido prendia sua imaginação. Ficou tonta ao pensar nisso. Um pouco triste também. Pois não sabia direito o que queria. E não saber o que querer a deixava vulnerável. E não havia nada que temia mais do que estar frágil. Incerteza. Desilusão. Lágrimas. Há meses não saía com as amigas, há meses não chorava. Reclusão, pensamentos sem destino. Viver tornara-se tão cotidiano, tão sem sentido. Nesses momentos assim tão dispersos Valquíria não se sentia. Somente entregava-se, ao nada.

Trilha Sonora: Radiohead "No Surprises" (From Ok Computer Album)