terça-feira, 20 de dezembro de 2005

O Encontro

e numa noite sem surpresas se foi. o que era pra ser sem alarmes, foi. tudo se foi. todo o vazio se dissipou, toda a porra do que contem nesta merda foi. silencio. não há o que exclamar. dor. a porra da dor. a porra do nada. please. um cigarro que se queima, uma vida q se prolonga nesta curta jornada. um gole nesta cerveja e vai... toda a análise. vai todo pensamento correto, ou querendo ser correto. tudo o que acha que é dele. ou dos outros? sem saber pra onde vai, segue. pra onde? "queria ser a prova de balas". ou ao menos ele queria ser a prova daquilo que o atinge, tão fundo. viajar. sempre foi seu lema. pra onde? ou melhor, para o que? viajar somente no pensamento vale? ah se for assim. sabe que não, que isso não passa de mais uma viagem. mas ja quis que não fosse só uma viagem? não. não quis. então foda-se. dentro de si tudo existe. tudo é possivel. e sabe disso. então, vai. como desaparecer completamente? vai até o teu encontro e e tu verás onde. ele sabe que não. não vai. não quer. só quer saber onde é, o encontro.
Trilha Sonora: Radiohead "No Surprises", "Bullet Proof... I Wish I Was"; Modest Mouse "Talking Shit About a Pretty Sunset".

creep

James ficava aqui parado no computador pensando e pensando. quantas coisas poderiam ter acontecido? quantas coisas ele poderia ter movido apenas um dedo... e algo talvez poderia ter acontecido. mas não. ele sempre escolhia o caminho mais facil. sempre o que lhe daria total segurança. o que lhe deixaria o mais proximo do que fosse certeza. apostar em algo que esta tão perto, mas tão arriscado? deixar tudo? o que era tudo? o que era o q escoheu? o que era sua vontade? afinal que porra era o desejo de James? Que merda. q porra. sempre aqui. termina a noite solitário em seu podre computador ouvindo radiohead. parece idiota, mas para james o que era? o que significava largar tudo em nome do que ele nem mesmo sabia? que merda. carros assassinos. era o que ele queria. passar por tudo. por cima. passar por o que ele não tem coragem. por o quê ele não quer passar, por aquilo o que vai ter que passar. sem escolha. sem o que tentar. só o desejo. é isso o que ele não quer. é isso o que o atormenta. o que lhe tira o sono. o que lhe faz humano. q bosta ser humano. ser e querer ser sempre algo depois. bosta. queria ser somente um paranoid android. mas é assim todo esquisito. fakie plastic boy. meio medroso, meio travado. meio porra nenhuma. creep.
Trilha Sonora: Radiohead "Creep", "Killer Cars", "Paranoid Android" and "Fake Plastic Trees".

Segunda-feira ao mar

Parado aqui sem saber para onde ir. Tudo roda, e como roda. O mundo em alguns meses passou, rodou, mudou. Mas sempre aqui. Sempre a mesma merda de sempre. Sai, vaza, volta. Tudo sempre acaba na mesma. E como se tivesse a esperança de que algo mudasse espera-se. Mas por que? Ele ja tentou, ja pensou, ja mudou. Mas há algo que sempre tende a voltar, a repetir. Que merda não? Pois então. Não. Gira-se e gira-se, mas sempre volta. A pira não é essa? Não quando não quer se aceitar essa simples imposição da porca vida. Carlos viajou um mês. Saiu às pressas. Não quis avisar ninguém. Queria sair sem ser notado, como se fosse possível. Pegou um ônibus bem vazio, meio de semana. Embarcou feliz, apesar de sempre estar preso ao que ficou. Mas foi. Viajou a noite toda. Não parou de pensar em Lucia. Acordou e olhou para a janela. Sol. Montanhas ficaram atrás. Estava longe de casa, muito longe. Ninguém sabia. E como era bom isso! Aconchegou-se no banco, esticou os braços. Já era. Estava lá. Sentiu o prazer de sair do inferno e pular logo para o paraíso, sem dar conta disso. Quando desceu em Porto Belo viu de cara o sol. Eram 6:30 da manhã. Mamãe dormia. Lucia quem sabe. Sorriu, comprou uma bera à 2,50. Beleza. Foi pra praia. Andou 1 quilometro e meio até a casa dos pescadores. Parou, acendeu um ciga. Fumou. Riu das gaivotas, da areia branca. Mas que porra é essa? Passo o ano todo nessa fudição, ouvindo merda de todos e de repente... tudo assim? Estou só, na praia e não conheço ninguém, e ainda estou curtindo? Pensou que merda era ter esse tipo de pensamento. Como era tão fechado e agora queria tanto ver tudo, conhecer. Float On. Em poucos minutos tudo voltou. Preocupação? O que faço aqui? Foda-se. Em poucos minutos saberei. Ou não? Lucia ligou. E Carlos desligou. Tirou a roupa. Entrou no mar. Olhou para o horizonte. Deu um longo sorriso e deitou-se na água fria. Deixou seu corpo levar. E sua mente por um instante sim.
Trilha Sonora: Modest Mouse "Float On"

domingo, 13 de novembro de 2005

Sunday?

E o que há aqui dentro de mim além de você? Jonas sem saber o porquê disso se perguntou. Há algum tempo atrás era tão fácil responder, mas e agora? Passaram-se anos, passaram-se idéias. Quantas voltas foram preciso para chegar até aqui? Dentro de si só sabia de algo, algo tão perdido e difuso, algo tão... Em cada litro, em cada gole, em cada tragada amarga era um pouco de si que se desvelava. Da verdade sabia pouco. Graças a Deus sabia muito pouco. Pois de Deus se absteu. Quanto de mim passou sem saber que se passara? Pensava alto. Quanto de mim quis que se passasse, dizia. Da liberdade se descobriu preso. O homem simples não quer liberdade. Mas putaquepariu, até quanto sou simples? É só um desejo. Pensar que era simples era seu alívio, pois pensar já era demais. Andar pelo mundo, esbarrar com o fim. Tropeçar no nada. Cuspir. Quisera chorar, já tentou. Seco e calado prossegue. Torto e esquerdo cai. Mas cair é tão bom, como não sabia antes disso? Bêbado não se cai, se prolonga. Demorou para querer saber disso. Demorou para ver que para viver se perde, perde-se. E disso se faz, se refaz, não-se-faz. E é tão bom não ser, não é? Pensava. Pensar as vezes era bom, quando não se pensava no pensar. E agora você quer saber de mim? Por quê? Se cansou de nós? Tantas perguntas, quantas respostas possíveis. Jonas estava cansado, bebera demais. Não entendia Silvia. Não queria se entender. Porra, estar bêbado não basta?
Trilha Sonora: "Whiter Shade of Pale"

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Sábado, 3 da Tarde

Que porra de vida era aquela? Acordar cambaleando, tomar café amargo e frio. Ressaca do caralho. Não se lembrava de como fora parar ali, no chão. Olhou pro lado e viu uma garrafa de plástico de pinga, amassada. Gosto de azia. Levantou-se, ligou a televisão. Sacou que era sábado, que aquela semana infernal tinha acabado e logo começaria novamente. Não sabia o que fazer. Não queria comer. Colocou um cd do Lou Reed. Flashes, traços de memória, um soco. Olhou no espelho. Hematoma roxa no olho esquerdo. Uma putinha correndo e gritando. Escuro. Que merda aconteceu? Foda-se. Telefone toca. Não quer atender. Uma leve melancolia bate, esparrama-se pelo chão, acha um cigarro e o acende. Não quer comer, sente seu estômago corroer. Abre a geladeira. Um resto de pinga. Apoia-se na porta, vira todo o resto em um gole. Gospe, os olhos lacrimejam. Chuta o lixo, soca a parede. Lembra-se de Sarah, de seu rosto fechado ao partir e deixar tudo... quebrado. Não sente sua mão enxarcada de sangue. Não sente seu peito bater. Não sente-se. Just a perfect day...
Trilha Sonora: Modest Mouse "Trailer Trash"; Lou Reed "Perfect Day".

terça-feira, 11 de outubro de 2005

True Love Waits

Joey sabia que o amor verdadeiro espera. Há a espera, sempre houve. Mas até quando? Se questionava enquanto olhava pela janela do ônibus. Sempre o acreditou enquanto estava longe de si, isolado. Distante, mas não tanto que o possa alcançar, ao menos a superfície. Vagava e vagava entre pensamentos e devaneios. Se aproximava e se afligia. Dentro de si sempre o sentiu. Estava sempre latente, pronto a romper o peito e lhe destruir por inteiro. Fugia. Sempre fugiu. Esperava e discontente se satisfazia. Imagens, sons, fragmentos de delírio. Dentro de si podia existir, e esperar. A cada ameaça de realização recuava. Se remoía. Se perdia... Sonhava com o dia perfeito. Com a vida transformada em ilusão. Decidiu um dia que nunca mais iria se iludir. E como num passo apertado, cambaleante, caiu. Foi aos infernos e voltou. Achou-se recuperado. Doce ilusão. O real o machucou, mas não pôde sentir. Anda pelas ruas como se não existissem. Respira como se não houvesse ar. Conversa com espíritos como se fossem gente. E a espera? E o amor que espera? A verdade submetida ao confronto, não surge. Tonto, desalmado vive. A espera com os fantasmas. O Fantasma.
Such a pretty garden
Such a pretty house
With no alarms and no surprises
(No Surprises, Radiohead)
I'm not living
I'm just killing time
Your tiny hands
Your crazy kiss and smile
Just lonely, lhhhonely..
Just lonely, lonely..
(Tue Love Waits, Radiohead)

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

A Dúvida?

Passar a vida toda com(o) uma dúvida. A procura por Algo que somente imaginariamente existiu e que há de surgir. Ou não? Se há alguma lógica nessa teia de fantasias, onde encontrá-la. Marcos acreditou um dia que pudesse se realizar, viver algo do real que o satisfizesse. Nesta busca se perdeu, voltou atrás, deu passos adiante. Não saiu do lugar. Sonhou com a completude, acordou com o vazio de sempre. Quis sempre depositar todas suas esperanças em alguém, alguém que sempre esteve em sua imaginação. Do confronto desta com o mundo ao seu redor quebrou-se em vários pedaços e que nunca puderam ser reconstituídos. A dor surgida daí nunca pode ser realmente sentida. Isolação. Barreiras construídas. Esperava um dia voltar a respirar. Mas tinha medo. Sufocado sempre sobreviveu. Mas o ar lá de fora é demais! Seu mundinho, fakie plastic world, era tudo o que tinha. Hipócrita. Preto-e-branco mas delimitado. O sonho impossível era o que permitia algo ser possível, algo que esperado já exista por si só. Mas viver é tão... sonso. Querer sempre mais, nunca se contentar, isso o movia, mesmo que só. Dentro de si era possível existir, mas e fora? O que há? Não saber o que sentir. Não sentir. Sentir? Perdido no combate irreal do impossível, entre a sobrevivência e a ausência, entre o desejo e a anulação. Nos extremos se configurou e deles não partiu mais. O que sente agora? Isto é sentir? Ou imaginar? Por que diabos nunca sabe, ele nunca soube saber responder. Afinal para Marcos o que não pode ser duvidado não pode simplesmente existir. Não há nada entre a dúvida e a resposta. Dos dogmas bestialmente apreendidos em sua fraca existência herdou somente o pior de todos, o dogma da não-crença. Ele só queria viver, viver sem. Viver com. Não queria a busca, não queria a espera, mas o que sobra? Da espera fez-se enquanto falta-a-ser. Da busca, seu único modo de seguir, seguir sem nunca alcançar o que não pode nunca ser alcançado e que assim permaneça. E agora que alcancei?

terça-feira, 4 de outubro de 2005

2:02

Eram 2:02 da manhã e Valquíria não queria dormir. Passou o dia no escritório olhando para a janela, no 17º andar. Acendeu um cigarro enquanto vagava sem rumo pela internet. Blogs, messenger, orkut, winamp tocando Modest Mouse. Havia conversado com Pedro, e talvez por isso não conseguia dormir. A meses conversava com ele pelo messenger e nada. Sentia que ele gostava dela sim, mas e Laísa? O que ele faz com ela? Por que está com ela e não comigo? Se perguntava isso sempre, nunca para Pedro. Na verdade ao falar com ele se calava. Se escondia. Deixava sempre algo escapar. E ele pegava, quase sempre pegava. E isso a deixava furiosa. Mesmo sabendo que Pedro namorava Laísa há anos, nutria uma espécie de esperança. Era somente essa esperança que a fazia se mover nos últimos meses. Sem essa, o que esperar? Entre entregar-se a algum desconhecido e se iludir com Pedro, escolhia sempre o mais próximo. E a ilusão sempre a acompanhou. Ela talvez não quisesse algo sério com Pedro, somente alguns momentos de descontração, diversão, perdição. Mas no fundo sabia que não era só isso. Que havia algo dele que a assustava, a atraía e confundia. Afinal por que conversar por meses com alguém que se quer se via a fazia delirar assim? Palavras bonitas, inteligência, descontração? Isso não bastava para uma alma apertada e escorregadia como a de Valquíria. Sedução sim, isso acontecia. Pedro com seu jeito sonso e perdido prendia sua imaginação. Ficou tonta ao pensar nisso. Um pouco triste também. Pois não sabia direito o que queria. E não saber o que querer a deixava vulnerável. E não havia nada que temia mais do que estar frágil. Incerteza. Desilusão. Lágrimas. Há meses não saía com as amigas, há meses não chorava. Reclusão, pensamentos sem destino. Viver tornara-se tão cotidiano, tão sem sentido. Nesses momentos assim tão dispersos Valquíria não se sentia. Somente entregava-se, ao nada.

Trilha Sonora: Radiohead "No Surprises" (From Ok Computer Album)

terça-feira, 27 de setembro de 2005

A Espera


Levantar às oito da manhã e ver que o sol não brilharia aquele dia. Café frio, fumar metade do cigarro que não terminara de fumar no dia anterior. Coisas que apesar de banais fazem algum sentido quando não se esta preocupado em achar algum. Se o dia esta só por começar, tudo pode-se esperar, mesmo esperar por nada. Afinal parece que a vida é uma constante espera...
João esperava encontrar Ana. Andava pelas ruas procurando o seu rosto em cada mulher que passava ao seu lado. Qualquer traço, qualquer semelhança, qualquer ponto difuso que por alguma razão o fizesse lembrar de Ana. Ele se cansava disto, mas logo estava esperando que fosse realmente Ana. Neste dia porém ele não pensou nela. Não pensara em nada na verdade. Andava tranquilamente pela rua XV observando a paisagem de sempre. Quando olhou para a frente, coisa rara já que anda olhando para o chão, viu Ana. Fazia meses que não a encontrava. Por alguma ironia, estava bem em frente ao prédio de seu analista. Ali onde passara mais de dois anos falando justamente sobre Ana... Conversaram pouco, ele não sabia muito bem o que dizer. Sentiu um tremor nos exatos um minuto e meio que conversara com ela. Saiu meio desacorsoado, sem saber o que pensar. Ele tinha tantas coisas que gostaria de dizer a ela! Mas dizer o quê, quando afinal, anos se passaram. Ana não era mais Ana, pelo menos a Ana que João sempre quis que fosse. João não era mais João. Duas histórias inteiras aconteceram até que se cruzassem neste ponto, neste fatídico dia onde por um minuto e meio ambos conversaram e João descobrira que não era Ana que procurava. Era a espera, a espera por Ana o que procurara por esses meses todos. Espera essa que acabou ao ver que aquela Ana não existia mais.
Trilha Sonora: Pink Floyd "If" (From Atom Heart Mother's album)

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Life in a Glass House

Ele não conseguia entender porque era assim. Acordou atrasado naquele dia. Seu café da manhã foi um cigarro. Ficou esperando o ônibus enquanto olhava para uma velha sebosa que parecia procurar seu cartão-transporte em alguma parte de uma bolsa velha de couro. Terminou seu cigarro, o ônibus chegou. Lotado, amarrotado, cheiro de trabalhador. Olhou para o lado e viu uma ninfeta toda arisca. Não para ele. Pelo menos tinha o quê olhar no meio de uma multidão de trabalhadores, velhas rabugentas e gordas crentes. Era o mínimo de contemplação num ônibus lotado às 6:32 da manhã. Chegou ao centro da cidade. Multidões de zumbis seguindo seus caminhos. Vendedores oferecendo cigarros, pão de queijo; cd, cd, cd. Ficou puto, não queria trabalhar. Olhar aquelas mesmas caras de sempre, mesmas tarefas de sempre. Lembrou de Maria, do verão, do cheiro de seus cabelos, do sorriso maroto, das safadezas. Flashes de memória que sempre insistem em aparecer em momentos nada agradáveis. Fumaça dos carros, traveco na esquina, mendigos deitados no chão frio da calçada, molequinhos cheirando cola. Ganha trezentos reais, trabalha quarenta horas semanais, V.R de cincão. Gosta de pescar nos fins de semana. Toma uma garrafa de pinga, aquela de um real e garrafa de plástico, fuma uma carteira de cigarros italianos e vai embora sem nenhum peixe. Na volta passa no boteco, joga truco, arruma uma briga e vai louco pra casa, balbuciando palavras soltas. Ressaca, dor de cabeça, dia chuvoso e um frio que congela os ossos. Acha tudo isso uma porra de vida. Mas não sabe porque tudo é assim.
Trilha Sonora: Radiohead "Life in a Glass House"

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Dias de Chuva

Dias de chuva são sempre tristes. Parece que as esperanças dão uma trégua e o mundo volta-se para si. E esta volta é nada mais do que a volta ao real. Carlos gostava dos dias de chuva. Apesar de sempre sentir-se mais angustiado nesses dias, eram momentos em que podia sentir muito bem algo que se passava além de seu mundo próprio, o que era raro. Naquele dia frio e encharcado na Capital Social resolveu encharcar-se, de álcool. Procurou o bar mais sujo que conhecia, pois era assim que queria sentir-se: imundo. Escolheu um daqueles ao lado do passeio público. Junkies, putas, vagabundos de rua e estudantes perversos eram o público que ali frequentava. Carlos não se enquadrava em nenhum dos perfis acima. Mas naquele dia, sentia-se um pouco de cada um. Ele não sabia porque estava sentindo-se assim, sentia somente uma vontade incontrolável de entregar-se a insensatez e ao delírio alcoólico. Iniciou-se então sua jornada rumo ao inferno, ao seu inferno, afinal o ambiente já era este. Pediu uma garrafa de conhaque da mais vagabunda, alguns pedaços de limão e uma carteira de cigarros italianos. Algumas putas tentaram mexer com ele, mas com o olhar parado, fixado para a janela que dava para rua, nem percebeu. De início suas idéias vagavam como sempre: fatos do passado, mulheres perdidas, o filho abortado, a mãe louca. Logo pensou que tinha que trabalhar no dia seguinte, mas pouco se fodendo, esqueceu logo. Queria esquecer de tudo, da sua vidinha porca, do trabalho burocrático e escroto do escritório, da porra daquela cidade cinza e fria, de seu mundo fantástico que criara em suas idéias. Por que diabos não vivia? Não conseguia viver a vida que ele mesmo escolhera para si! Já nesse ponto, sentia a embriaguez tomar aos poucos conta de seu esguio corpo. Suas idéias começavam a embaralhar-se, todos sentimentos pareciam ser um único mesmo. Chorou um pouco, bebeu um monte. Apoiou a cabeça na mesa, queria dormir, mas não conseguia. Nem mesmo o álcool fazia aquelas idéias pararem. Nada afinal fazia aquele tormento parar. Não era o fluxo contínuo de idéias seu problema; era a sua vida toda que não fazia sentido e não encaixava-se à suas idéias. Já era noite, estava muito mais frio. Levantou-se cambaleando, pagou a conta e saiu andando pela centro sujo e encharcado. Sentou-se em um banco na Santos Andrade. Chovia muito naquele momento. Carlos não ligava, não ligava mais para nada. O dia havia acabado, nada mudara. Amanhã estaria de ressaca, trabalhando naquela porra de escritório, sozinho como sempre. Ele com as idéias. O mundo com a vida.
Trilha Sonora: Modest Mouse This is a Long Drive for Someone With Nothing to Think About (album)

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Reclusão

Ele não trabalhou naquele mês. Acordou um dia em estado de total perdição. Não sentia dor. Não estava com ódio. Não sorria há muito. Só medo. Não ligou para ninguém. Desligou o telefone. Deitou-se na cama e ligou a tv. Por alguma razão não sentia mais as coisas, seu mundo se fechara e sem alternativas reclusou-se em seu pensamento. Tentara em vão interagir, mas algo o impelia a sonhar. E começou com um sonho simples. Sentira que seu corpo desaparecia. Tudo ficou branco. De repente via seu corpo deitado na cama. Logo estava em 1974, via a si próprio brincando com um carrinho, sozinho, as crianças ao seu lado brincavam sem notá-lo. Ao ver esta cena, sentiu uma angústia machucar seu peito. Caiu em lágrimas, era uma visão de sua infância. Sentira novamente uma lembrança que há muito tempo havia ocorrido. Em flashes começou a passar momentos simples de sua vida. Rememorava fatos que o marcaram, mas que de certa maneira não vivenciou. Ele tinha essa impressão. Coisas que foram importantes mas que no momento não pudera experenciar com toda intensidade que deveria causar-lhe. Sempre vivera recluso, em seu mundo isolado, de fantasias, perfeccionista e não adepto a realidade. Naquele mês tudo voltara com sua carga máxima de intensidade. Ao ver a si mesmo percebeu o quanto havia se machucado em sua vida por não querer saber das coisas, das pessoas, de outras vidas que o cercavam. Só, ali parado, sentiu em um mês tudo o que não sentira em todas sua curta existência até então. Lágrimas, confusão, emoções, gritos, desespero. Tudo se misturava e passava como um filme a sua frente. Quis naqueles momentos que acordasse, mudasse o que estava vendo. A mulher da sua vida passou ao seu lado, tentou conversar, mas recluso, não respondeu. E naquele momento ele descobriu que era ela, e que a perdeu. Seu pai tentou se reconciliar de todos os erros cometidos. Ele o ignorou. Quis sair daquele sonho e abraçá-lo, chorar, dizer que o amava. Não podia. Logo passa-se a outra imagem. E outra imagem novamente. Era tarde, naquele dia frio de agosto. Nada poderia se modificar, era o fim de sua pobre existência. Vivida em uma reclusão total.
Trilha Sonora: Modest Mouse "Whenever You Breathe Out, I Breathe In".

terça-feira, 2 de agosto de 2005

Ilusão

Uma vida toda cheia de ilusões. Dias ensolarados lembrados na memória como fotografias velhas, em preto e branco. Imagens de um passado recente distorcidas, histórias mal contadas. Olhar para trás e ... não ver nada. Nada que se possa lembrar como algo realmente vivido. Somente sombras, fantasmas e perdição. Entrega ao desconhecido, aos loucos devaneios que levam somente a lugar nenhum. Tudo, tudo já foi criado, imaginado, pintado, esculpido. Mas e a realidade? Quando foi que esta ficou para trás? O que vale viver assim, sempre com os pensamentos em algum lugar que não este, que não nesta vida que parece ser tão árdua? Viver de ilusões, doces ilusões, porém tão distantes e perdidas em algum fio de memória que ainda luta para permanecer presente. Programar algum futuro. Vivê-lo como se fosse possível, da forma que seria perfeito. Não saber do presente. Este existe? Por que não encará-lo como é: árduo, louco, imprevísivel, descontrolado, porém... tão intenso, real? Por que buscar respostas para questões que não podem ser respondidas? Por que procurar soluções para aquilo que solucionado deixa de significar? Por que dor, angústia, confusão? Se viver é tudo isso, partes disso e outras tantas que não podem ser descritas, por que se iludir?
Trilha Sonora: Travis "The Humpty Dumpty Love Song"

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Um dia Qualquer

James acordou, olhou para o relógio: 12:30. Virou para o lado, olhou a janela, lembrou que sonhara aquela noite com o colégio em que estudara. Tempo perdido, angústia, uma época em que não viveu. Estava de ressaca. A noite anterior se embriagou, riu. Algo daquele sonho o remetia ao momento em que parado sentiu um anseio, afinal anseios era só o que sentia naquela época. Incompreensão, sentimentos profusos, idéias vagas. Tudo isso se misturava a confusão própria da idade. Sentia não pertencer aquele mundo, aquele colégio, ao lugar onde morava. A imagem de si não passava de um espelho partido, fragmentado, onde milhares de imagens tentavam refletir o que se passava naquela alma tumultuada. Recorria a razão como último meio de chegar a algum lugar mais preciso do que sua agonia constante. Todas essas idéias passaram como um flash em sua mente. Em um segundo sentiu todas essas sensações e resolveu levantar. Acendeu um cigarro, se apoiou na janela. O sol brilhava intenso, porém James o descoloria. Estava depressivo. Talvez o álcool, talvez mais um lapso de angústia, a velha amiga solitária que o acompanhava sempre. Ligou a tv, porra nenhuma passando. Mesmo sem ter o que fazer, sentia que deveria fazer algo, qualquer coisa. Saiu pelas ruas. Bairro medíocre aquele, vilarejo maldito encravado na Curitiba provinciana do século XXI. O que fazer nessa cidade perdida? Ou melhor, o que fazer no intervalo de um porre à outro? James sempre achou que aquele lugar era perfeito para ser um junkie, mas que bosta ser junkie, que bosta ser qualquer coisa naquela cidade! Lembrou de Ana, aquela que consiguiu fazer James sentir o mundo por duas semanas e que depois retornou ao plano inicial, ao do ideal. Doce imaginação que sempre o acompanhava desde que a conheceu. Linda de morrer, um olhar profundo, malicioso. Um corpo magro porém desenhado. Que perda para James, deixar escapar justamente a mulher de seus sonhos. Voltou para casa, tentou comer alguma coisa. Não conseguiu. Deitou-se novamente. Deixou sua imaginação o levar. A dose de realidade do dia já fora dada. Voltar a ser o que sempre foi: um montoado de idéias vagas, desconexas e sem sentido. Angústia.
Trilha Sonora: Smashing Pumpkins "By Starlight"

quinta-feira, 21 de julho de 2005

A Volta ao Real

O confronto com o cinza. O frio que corrói os ossos. A umidade espalhando-se pelo corpo. Sair do azul intenso da Barra, do desenho perfeito das nuvens e cair no escuro, cinza e gelado inverno curitibano é compreender o que é a passagem mania-depressão. Angústia. Preguiça. Mal-humor. Tardes amarelas ensolaradas, a leve brisa marítima, fria, porém aconchegante. O cair da noite singelo e vagaroso, diminuíndo lentamente a temperatura. A mudança deste cenário para uma realidade um pouco mais chocante: céu cinza, nuvens homogêneas, clima constante: frio. A noite cai como um soco, vento horripilante. Pessoas quase-felizes em seu mundinho alienante e provinciano. Sorrisos estampados em suas camas cobertas com 5 cobertores e um aquecedor, assistindo a novela das 8, tomando mais um chá Vick após 5 dias de espirros constantes. Se entocar, se fechar, se fuder com o resto do mundo. Viver aqui é assim mesmo: que se foda tudo! A volta do cinza dominando o azul. Saudades das trocas de cores, do céu psicodélico no fim de tarde, da areia gelada e firme, da noite embriagantemente estrelada e levemente gelada. A volta à casa nem sempre é boa. Internet, tv à cabo, soulseek, google, blog, telecine. Ferramentas para sobreviver nesta metrópole sufocante.
"In my place, in my place,were lines that I couldn't change,
I was lost, oh yeah. And I was lost, I was lost,
Crossed lines I shouldn't have crossed,I was lost, oh yeah"
(Coldplay, "In my Place")

A Bucólica Barra

Lugar não tão longe desta metrópole infernal, não tão perto que se possa simplesmente ir. Não há nada que lá o possa importunar. Algumas casas de veraneio, alguns pescadores e o mar. A brisa constante que sopra o dia todo, a areia vazia, o sol que brilha ao dia, calmo, sem querer aquecer muito, somente para consolar as almas perdidas que se aventuram a ir lá durante o inverno. Lugar bucólico e até mesmo melancólico, pois não há o que se fazer, e por isso mesmo é o lugar ideal. Imagens, sons, lembranças, fragmentos de memória perdidos em algum lugar do passado perpassam a mente tranquilamente, sem pressa, um fluxo contínuo. Embriagar-se de qualquer coisa que complemente o clima de perdição, entrega ao nada, torna-se necessário. Só, afastado, com a paz de espírito, resta caminhar pela orla marítima e acompanhar as andorinhas que vagam em busca de alimento. Não há pessoas. Não há comércio na beira da praia. Somente o mar e a areia. Sentar-se, fumar um cigarro, deixar a imaginação levar até onde a mente entorpecida pode ir. A noite, o frio e o vento trazem novos ares. Uma fogueira para aquecer, céu estrelado de inverno que na metrópole não há. Deitar-se na areia gelada, olhar para o céu e imaginar formas a partir dos pontos de luz que estão lá. Nada que possa excitar. Somente se apagar e entregar-se ao clima bucólico, fugir da louca realidade da metrópole. Dos carros alucidados, prédios cinzentos, maníacos em potencial vagando pelas ruas turbulentas. Das rotinas fatigantes, do tempo sempre curto e fugaz, das pessoas prontas a implodir e explodir o mundo a sua volta. Na Barra nada disso existe. Só o mar.

Trilha Sonora: Mogwai - Young Team (album)

Caos

Estar sozinho. Ruas cheias de pessoas, carros alucinados, luzes entorpecentes, mendigos, velhas gordas cheias de sacolas da casa china, bebâdos tomando tubão no meio fio, ninfetas em seus uniformes azuis rindo. João olha para o céu, vê fios de luz, vê um pássaro, não vê mais nada. Seu olhar não remete a nada além do caos que sua mente tenta conceber. Sua mãe - quem é ela agora? Seu pai - ele a matou? Onde estou? Onde está a casa velha da vó que ficava ali logo no Seminário? Ah não, estou no centro. Que centro? Anda de um lado para outro, acha uma bituca e acende. Lembra-se de quando era um garoto e tomava banho de rio no barigui. Ou era no passaúna? Anda mais um pouco encontra um pastor gritando, uma velha berrando o jogo do bicho, não aguenta mais essas vozes. Precisa fugir. Para onde? Onde moro? Aqui? Senta-se no chão, o mendigo oferece um tubo, João bebe, deita-se, fecha os olhos. E o inferno começa. Flashes, luzes, sons de todos os lados. João aperta os ouvidos, cerra os olhos. Mas não passa! Porra deixe eu em paz! A noite é longa. Os sonhos piores que a realidade. Mas que realidade? E que sonhos?

Trilha Sonora: Radiohead - Hail to the Thief (album)

Crônica de uma Existência Banal

Raul foi encontrado despedaçado pelo chão. Somente metade de seu corpo havia resistido ao tempo. Haviam 13 dias estava ali, jogado na mesma posição que havia caído, em um pátio de um lugar bucólico cercado de uma mata verde intensa e perfumada. Ninguém notou a falta de Raul, nem mesmo ele notou sua Falta. Dizem que Raul sobrevivia com R& 2,00: uma pinga "Havaianinha" e um cigarro de nome italiano. Cuidava de uma propriedade que cuidava dele. Sua tarefa era simples: tratar algumas almas animais e cuidar da casa, tarefa esta que Raul não conseguia exercer muito bem. Em seu último dia Raul cumpriu sua tarefa, alimentou seus amigos, únicos companheiros e resolveu partir. Ser era muito dificil para ele. Não-Ser foi sua escolha. Dizem que na última vez que Raul foi visto e ouvido, estava entregue a insanidade do mundo. Não suportara a abstinência ao alcool e num surto paranóico entregou-se a seus fantasmas, a dor, a solidão, ao vazio que remetia o simples ato de existir. Raul nunca existiu. Ninguém lembrou-se quem era Raul. Quem conseguia responder esta simples questão exprimia: "era um bebâdo qualquer, meio louco, meio mendigo". Seus filhos esqueceram que Raul estava vivo. Seus patrões esqueceram também. Seus amigos, se é que existiam, também. Esqueceram também que ele estava morto, pois há muito Raul havia morrido. Somente uma carcaça, cheia de marcas e uma expressão sempre gélida. Raul caiu após o surto. A cirrose estorou. E ficou ali, perto da terra onde encerraria sua mísera existência. Ainda morto, Raul serviu aos seus amigos com aquilo somente que pôde servir em toda sua existência: seu corpo.
Trilha Sonora: Radiohead "How to Disappear Completely"