quinta-feira, 21 de julho de 2011

Nostalgia

Por que somos tão nostalgicos? Pelo menos eu incluo-me nessa categoria. Sempre tenho flashbacks que me deixam ora com uma alegria gostosa, ora com uma doce angústia. Parece que na medida em que o tempo passa mais tendemos a olhar para o passado com um certo deleite, uma admiração e valorização maior do que nos tempos atuais. Assim as músicas antigas sempre são melhores, os artistas de tal época eram “de verdade”, os programas de tv eram mais interessantes e “erámos felizes e não sabíamos”.

A juventude em si desperta muita nostalgia. Engraçado que a adolescência quando vivida é geralmente muito tumultuada e até sofrida. Porém, passados alguns anos, já a olhamos sob outros olhos, como um tempo “gostoso”, de descobertas, com algum sofrimento mas muita diversão. Por mais que naquela época somente reclamavámos de tudo e achavamos “tudo um saco”. 

Tive essa impressão ao ouvir novamente o álbum "Ok Computer" do Radiohead. Durante a minha adolescência o ouvi cansavelmente durante os momentos mais angustiantes. E hoje a sensação foi tão diferente. Lembrei de vários momentos bons em que esta sonoridade acompanhou-me. Talvez sofremos um “recalque” das coisas ruins da adolescência durante a vida adulta, assim como recalcamos a infância durante a adolescência. 

Muitas vezes lembro-me de algumas passagens de minha adolescência num tom onírico, com cores e cheiros específicos, com trilha sonora marcando cada momento especial, e um sentimento de que naquela época eu pouco-me-fodia-com-tudo. Realmente eu não tinha muitas preocupações (preocupações no sentido “adulto” do termo: responsabilidades), mas passei por esta fase de forma tumultuada, com vários conflitos. Porém com o passar dos anos parece que vou cada vez mais “esquecendo” das aflições e reforçando a memória das coisas boas. Talvez seja esse o mecanismo de recalque que me referi anteriormente. Vamos aos poucos tentando superar as dificuldades e traumas do passado na mesma medida em que retomamos o que de bom já vivemos. Nesse sentido os mais velhos só contam histórias com vitórias, heróis e façanhas inéditas. Dificilmente contam os tumultos e episódios estranhos e constrangedores que passaram. E não podemos criticá-los por isso, pois fazemos o mesmo com nossas histórias. Estamos o tempo todo, num continuum, reformulando-as. É próprio da estrutura das narrativas serem reconstruídas o tempo todo. Toda vez que contamos uma história a contamos diferente.

A questão que eu quero chegar é a experiência presente. Por que temos tanta dificuldade em simplesmente curti-la e ao mesmo tempo a valorizar tanto as passagens antigas e a idealizar as futuras? Alguém já percebeu que nunca vivemos plenamente o tempo presente? Estamos o tempo todo comparando o hoje com o ontem, e ainda esperando que o amanhã seja melhor. Nessa vivência atemporal nos perdemos, nos alienamos do aqui e agora. Nos angustiamos pelo tempo futuro não chegar logo e nos prostamos diante de um passado que aparentemente era melhor, mas que muitas vezes foi vivido na época como algo até ruim.

Acho que viver o presente é algo realmente difícil. É “matar um leão por dia”. É a luta diária, com vitórias e fracassos, só que somente a posteriori conseguimos reconhecê-los e elaborá-los como tais, sempre tendendo a valorizar as primeiras e procurando esquecer os segundos. O presente parece sempre ser menos interessante pois não nos detemos a ele. Simplesmente o deixamos passar enquanto nos perdemos em devaneios passados ou projeções futuras, sem realmente experenciá-lo. O desafio, portanto, parece ser viver o carpe diem.

Trilha Sonora: Subterranean Homesick Alien - Radiohead

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Masculinidade

- Eu devo ser muito burguês mesmo! - pensou Carlos ao sair de uma mecânica de beira de estrada. Ficara a tarde toda esperando o rapaz trazer uma peça para continuar a viagem. Neste tempo ficou  impressionado com as histórias que os mecânicos contaram sobre suas aventuras sexuais. Está certo que havia muito exagero ali, mas a espontaneidade com que eles demonstravam em ir atrás das mulheres e levá-las para cama o surpreenderam.

- Esses caras nunca leram Bukowski, Anaïs Nin, nem Sade. Não têm idéia do que seja Id e Ego, muito menos moral burguesa. Esses caras vivem! - concluiu com um tom melancólico.

Menino tímido, criado sob uma rígida educação repressiva, Carlos buscou nos livros uma saída para a infância fechada e a personalidade tímida. Não teve amigos sacanas, tios mais velhos ou primas safadas que lhe apresentassem o mundo da putaria. Sim, putaria, porque sobre sexo ele sabia tudo - está nos livros. Agora o que  acontece na realidade - o que as pessoas reais fazem não é sexo - é tesão, é descontrole, sacanagem, palavrões, líquidos, libertinagem... enfim, não há palavras para descrever o que é a ação.

É justamente nesta questão que Carlos chegou. Sim, questão, pois para um intelectual uma interpretação da ação real é uma questão, não um simples pensamento. Um homo academicus para agir precisa formular uma questão - um conceito que consiga abarcar em sua significação a relação dialética entre a realidade da ação e a construção da idéia. Trocando em miúdos, pensa muito e faz pouco. Só que para chegar nesta simples constatação, foram quantas linhas?

Seu problema era justamente esse. Carlos pensava em tudo antes de fazer qualquer coisa. Planejava, media as consequências, avaliava se valeria a pena, se era correto ou não, se não o prejudicaria... Tudo isso não se encaixa ao universo da putaria. Tesão é tesão, é algo que precisa ser descarregado. É uma barreira de represa pronta a ser explodida, em que a água escorre por todos os caminhos buscando um fim.

Carlos fora criado para ser um gentleman. Por isso não compreendia como aqueles homens simplesmente viviam livremente a sexualidade. No seu imaginário o sexo era uma conquista, algo a ser batalhado, e não uma oferta. Portanto este mundo parecera fantástico e curioso a ele.

As mulheres detiam um mistério intransponível. Suas sexualidades eram incógnitas, veladas e fadadas a uma incompreensão constante. Ele não sabia como lidar com o desejo. Se perdia tentando achar a melhor forma de lidar com o que sentia. Ele não sabia como tratar uma mulher. Como agir? E principalmente, como reagir?

- O desejo é louco! Não tenho controle sobre ele. Parece que não o conheço! – consternado, pensou baixo..  Não sabia reagir a uma investida feminina, ainda mais se viesse de alguém quem ele desajasse. E muito menos ele seduzir alguma mulher. Não se achava capaz. Era dócil o tempo todo. Tratava as mulheres com receio, como se qualquer manifestação sua de desejo pudesse "ofender" a moça. Não sabia como dar uma cantada ou demonstrar seu interesse sexual pela donzela. Talvez ele fosse apenas um romântico que colocava o sexo como a última etapa, como algo quase sagrado e proibido.

- Por que este controle, esta sensação de não saber o que fazer, de quem se realmente é! Por que não somente viver e deixar viver? O que me prende? Quem me castiga? Não é somente eu?
Tantas questões Carlos, e nenhuma solução.

Era a moral burguesa. Era sua timidez excessiva. Um controle que toda hora ameaçava ruir. Era seu corpo fervendo por dentro. Imerso em seu corpo "fechado", delirando com as histórias de mulheres descontroladas se esbaldando em um banheiro sujo de uma mecânica de beira de estrada, Carlos saiu dali disposto a experimentar o que é sentir-se como um homem de verdade - e não imaginário.


quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sem Mentira

Fabio Góes

Eu já fingi ser muito melhor
Eu já aprendi ser pior
Mas sem mentira

Só de viver no seu mar
De merecer seu olhar
Seu beijo todo dia
E as noites cada vez mais limpas

Quando eu me vi no seu cais...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Segunda-feira (ou Reclusão)

A roupa quente ainda na cama. Chuva e frio. Uma segunda-feira pela frente. Vai ser longa, sempre é, mas quando você se vai... é pior. Eu sei que não devo pensar assim. Gostaria que fosse mais um dia comum.

A semana começa quarta-feira. Segunda desapareço completamente. Terça tento me reerguer. Quarta estou bem. Quinta até sorrio. Sexta ansioso. Aí o fim de semana voa. Tento não viver apenas esperando esse dia chegar. Tento fazer com que meus dias realmente valham a pena. As vezes consigo. Mas segunda-feira, não.

É o dia que nos separamos. Passo as horas entre as doces lembranças dos momentos passados e a árdua tarefa de começar outra semana assim. Tenho que me acostumar. Vontade de mandar tudo ao "foda-se". Acontece que fim de semana significa ter folgado dois dias e deixado meu corpo entregar-se ao "suado" ócio, para então confrontar-se com a velha rotina novamente. É preciso voltar para a Terra. Para a vida material.
Não quero. Apenas não. Reclusão (até quarta...).

Trilha Sonora: Fábio Góes, "Sem Mentira".

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eu quero...

Eu quero chegar em casa hoje e vê-la sentada no sofá. Com o cachorro no colo. Assistindo à novela. Gostaria de deitar-me ao lado, dar-lhe um leve beijo e apenas permanecer por ali. Conversar depois na hora do café, contar-lhe os fatos mais bestiais do dia. Afagar sua nuca enquanto passa manteiga na torrada - aparentemente séria e compenetrada, para depois sorrir.

Com ela sou apenas eu mesmo. Nada mais. Assim como não precisamos de mais nada além de um ao outro. É simples assim.

Deitar na cama e ficar abraçado até vir o sono. Fazer um comentário que esqueci de dizer durante o café. Ela pergunta: - vamos ao centro amanhã? Preciso comprar um tênis. - Vamos meu amor.

Sábado ela vai fazer pão. Irei buscar a lenha para o forno. Aproveito e compro aquela cerveja de trigo que ela tanto gosta. Eu prefiro as stouts e ales. Vai bem com o hamburguer que faço.
Parece banal. Parece comum. Mas é tudo o que eu quero agora. Ao menos se eu tivesse apenas sua doce presença...