sexta-feira, 15 de julho de 2011

Masculinidade

- Eu devo ser muito burguês mesmo! - pensou Carlos ao sair de uma mecânica de beira de estrada. Ficara a tarde toda esperando o rapaz trazer uma peça para continuar a viagem. Neste tempo ficou  impressionado com as histórias que os mecânicos contaram sobre suas aventuras sexuais. Está certo que havia muito exagero ali, mas a espontaneidade com que eles demonstravam em ir atrás das mulheres e levá-las para cama o surpreenderam.

- Esses caras nunca leram Bukowski, Anaïs Nin, nem Sade. Não têm idéia do que seja Id e Ego, muito menos moral burguesa. Esses caras vivem! - concluiu com um tom melancólico.

Menino tímido, criado sob uma rígida educação repressiva, Carlos buscou nos livros uma saída para a infância fechada e a personalidade tímida. Não teve amigos sacanas, tios mais velhos ou primas safadas que lhe apresentassem o mundo da putaria. Sim, putaria, porque sobre sexo ele sabia tudo - está nos livros. Agora o que  acontece na realidade - o que as pessoas reais fazem não é sexo - é tesão, é descontrole, sacanagem, palavrões, líquidos, libertinagem... enfim, não há palavras para descrever o que é a ação.

É justamente nesta questão que Carlos chegou. Sim, questão, pois para um intelectual uma interpretação da ação real é uma questão, não um simples pensamento. Um homo academicus para agir precisa formular uma questão - um conceito que consiga abarcar em sua significação a relação dialética entre a realidade da ação e a construção da idéia. Trocando em miúdos, pensa muito e faz pouco. Só que para chegar nesta simples constatação, foram quantas linhas?

Seu problema era justamente esse. Carlos pensava em tudo antes de fazer qualquer coisa. Planejava, media as consequências, avaliava se valeria a pena, se era correto ou não, se não o prejudicaria... Tudo isso não se encaixa ao universo da putaria. Tesão é tesão, é algo que precisa ser descarregado. É uma barreira de represa pronta a ser explodida, em que a água escorre por todos os caminhos buscando um fim.

Carlos fora criado para ser um gentleman. Por isso não compreendia como aqueles homens simplesmente viviam livremente a sexualidade. No seu imaginário o sexo era uma conquista, algo a ser batalhado, e não uma oferta. Portanto este mundo parecera fantástico e curioso a ele.

As mulheres detiam um mistério intransponível. Suas sexualidades eram incógnitas, veladas e fadadas a uma incompreensão constante. Ele não sabia como lidar com o desejo. Se perdia tentando achar a melhor forma de lidar com o que sentia. Ele não sabia como tratar uma mulher. Como agir? E principalmente, como reagir?

- O desejo é louco! Não tenho controle sobre ele. Parece que não o conheço! – consternado, pensou baixo..  Não sabia reagir a uma investida feminina, ainda mais se viesse de alguém quem ele desajasse. E muito menos ele seduzir alguma mulher. Não se achava capaz. Era dócil o tempo todo. Tratava as mulheres com receio, como se qualquer manifestação sua de desejo pudesse "ofender" a moça. Não sabia como dar uma cantada ou demonstrar seu interesse sexual pela donzela. Talvez ele fosse apenas um romântico que colocava o sexo como a última etapa, como algo quase sagrado e proibido.

- Por que este controle, esta sensação de não saber o que fazer, de quem se realmente é! Por que não somente viver e deixar viver? O que me prende? Quem me castiga? Não é somente eu?
Tantas questões Carlos, e nenhuma solução.

Era a moral burguesa. Era sua timidez excessiva. Um controle que toda hora ameaçava ruir. Era seu corpo fervendo por dentro. Imerso em seu corpo "fechado", delirando com as histórias de mulheres descontroladas se esbaldando em um banheiro sujo de uma mecânica de beira de estrada, Carlos saiu dali disposto a experimentar o que é sentir-se como um homem de verdade - e não imaginário.


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