quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sonho

Eu estava em uma casa estranha, mas acho que era a minha, pois haviam coisas que aparentemente remetiam a minha pessoa. Só lembro de um aparelho de som, o que por si só já diz muito sobre mim.

Eu estava com alguém que representa o novo, algo que difere muito do que sempre busquei. Havia um misto de ansiedade, medo e desejo - o que caracteriza o clima de um ótimo encontro. Eu sentia-me desprotegido, mas ao mesmo tempo vislumbrava a possibilidade de inverter o jogo. Em um olhar demonstrou que era ela quem desejava ser acolhida, que naquele momento eu deveria deixar surgir quem eu realmente sou e que toda aquela fragilidade poderia agora ficar de lado, pois era a minha força que ela buscava - uma força que talvez havia se ausentado por um tempo mas que permanecera latente.

Ela sabia disso e confiou em mim. Se entregou com a beleza que somente uma mulher consciente de seu desejo possui. E eu respondi prontamente. Toda a ânsia do primeiro encontro entre os corpos se dissipou nessa hora.

O som estava ligado no aleatório. E de repente uma música do Josh Ritter começa: "I thought I heard somebody calling in dark, I thought I heard somebody call". Um clima de tensão toma conta do ambiente. "Por que agora esta música?" - pensei. Tudo se desfez na hora, a garota sumiu e o vazio voltou. Então eu acordei.

A música que um dia representou um momento de alegria retorna agora assustadora. Ela já fora trilha sonora de um episódio em que tudo parecia perdido mas uma voz surgiu e retirou-me do escuro. Agora a música tocou para lembrar-me que a mesma voz não apareceu para me salvar quando precisei e eu não poderia mais contar com ela.

Eu fiquei com a música o dia todo em minha cabeça. Eu estava com raiva. Um sonho em que tudo estava indo tão bem fora interrompido por uma música que há muito tempo eu não ouvia e que me trouxe diversas lembranças do passado. O que significava esse sonho? Que talvez apesar de tudo o que se passou, e da ânsia atual pelo novo, eu ainda queria ouvir aquela voz chamar-me novamente.

Trilha Sonora: Josh Ritter "The Dogs or Whoever".


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Mixtape Contos Neuróticos Cotidianos

Resolvi juntar as músicas que foram trilha sonora aqui no blog e deixá-las para download, assim como comentários faixa-a-faixa, no outro blog, que há bastante tempo está parado. Segue o link para ler e baixar:

Alcoholiday

Um feriado. Litros e mais litros de álcool. O desejo de diversão a qualquer custo. Dias vivendo nessa ilusão etílica. Um corte. Abstinência. Angústia volta à toda. E ai percebe-se que mais um pedaço de si se foi.

A volta à realidade é dura, machuca. Sentimento de uma alma despedaçada, partes que tentaram juntar-se mas que apenas fragilmente encontravam-se. E alguns dias de perdição bastaram para tudo desfragmentar-se novamente.

O álcool traz a ilusão de que um ser único e inteiro é possível. Sob o seu efeito, um super-homem surge confiante e arrogante. Ri de tudo. É o bobo da corte e o rei ao mesmo tempo. Sente que pode tudo. Alguns dias depois o rei cai e só sobra o bobo da corte. Um palhaço rindo de si mesmo, pois sua graça acabou há algum tempo.

O que sobra é um humano. O real volta com toda sua força: jogando-o contra a parede. Mostrando claramente que você é o que é, e que aquele ser supremo que você busca é um falso personagem de uma pseudo-história que você inventou para tentar deixar sua realidade bem mais amena. E que no fundo você é ainda aquele ser despedaçado que busca se reintegrar, mas agora sem a falsa ajuda do santo elixir que promete juntar tudo, para logo depois te jogar contra o chão e deixá-lo pior do que você já estava.

Foi apenas mais um "Alcoholiday". E mais uma volta assustadora ao real.

Trilha Sonora: Teenage Fanclub "Alcoholiday", do disco Bandwagonesque (1991).

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Que Pena

É impressionante como a lembrança de fatos e coisas tão doces podem um dia se apresentarem tão amargas. A memória está sempre sendo reescrita. Alguns afetos são diretamente vinculados à lembrança, porém algumas acabam surtindo outros sentimentos com o passar do tempo.

Aqueles momentos felizes e deliciosos que vivemos em um passado próximo, e que eram guardados com zelo e carinho, agora afligem. Incomodam por que havia a ilusão de que eles seriam para sempre rememorados e reatualizados quando vivenciaríamos coisas novas. É aquele fim de tarde gostoso com a pessoa amada, tomando uma cerveja gelada, e de repente um dos dois fala: "se lembra aquela tarde que passamos na praia? Foi tão bom!". E essa frase simples surge justamente para apontar que continuamos desfrutando momentos maravilhosos assim como aquele que passamos há um bom tempo atrás. Esse fio de continuidade que apenas pessoas que conviveram muito tempo juntas podem desfrutar. E é justamente o rompimento deste fio que faz com que momentos lindos de um passado recente sejam relembrados agora com um pesar, uma sensação de que com aquela pessoa você nunca mais irá vivenciar isso. É a amarga melancolia.

O que resta é esperar que aquelas lembranças boas voltem a serem o que são, que causem aquela nostalgia boa, e não que surjam como sustos no meio daquela madrugada solitária. É tentar seguir Jorge Ben, conjugando alegria com a desilusão.

Que Pena
Jorge Ben

Ela já não gosta mais de mim
Mas eu gosto dela mesmo assim
Que pena, que pena
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena, que pena

Pois não é fácil recuperar
Um grande amor perdido
Pois ela era uma rosa
As outras eram manjericão
Ela era uma rosa
Que mandava no meu coração
Coração, coração

Mas eu não vou chorar
Eu vou é cantar
Pois a vida continua
E eu não vou ficar sozinho
No meio da rua
Esperando que alguém me dê a mão

Trilha Sonora: Jorge Ben "Que Pena", do disco Jorge Ben (1969);