sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Realidades Paralelas

Eu sempre pensei viver em uma realidade paralela. Não tem nada a ver com outras dimensões metafísicas. Simplesmente sempre achei que nunca compartilhei totalmente da mesma realidade que todos em minha volta. E sei também que muito disso é devido a minha capacidade enorme de desviar a atenção e perder-me em pensamentos diversos e longíquos.

Lembro-me que esta situação era bem mais frequente no final da infância e durante boa parte de minha adolescência. Seria algo parecido com essa televisões em que é possível abrir outro canal em um pequeno frame no canto esquerdo superior da tela. Comigo acontece algo parecido. Abre este outro "canal", menor do que o canal principal, mas que desvia minha atenção, sendo que esta permanece dividida. E assim vou vivendo com a impressão de estar o tempo todo dividido entre esses dois "canais".

Não é preciso citar que logicamente o outro canal é mais interessante que a realidade que se projeta aqui. Já tratei disso muitas vezes como fuga. E é mais do que isso.

Em minha infância a realidade era quase que totalmente deixada de lado para dar espaço a fantasia. Eu vivia realmente em outros mundos. O mais importante é que era eu quem criava estes mundos. E ali eu poderia ser tudo. Já fui rei, piloto famoso, artista, revolucionário. Eram os meus devaneios. Criava enredos complexos e vivia tudo aquilo de forma intensa. Mas havia um problema: a realidade continuava a coexistir, e muitas vezes eu era convocado a assumir o "posto" novamente. Era duro. Na realidade e eu era apenas um garoto fechado, tímido, com milhões de sonhos e vontades a concretizar.

O garoto cresceu mas os devaneios continuaram. Com certeza bem mais amenos e próximos da realidade. Isso que eu relato faz parte da vida de todos, em menor ou maior grau. Estamos o tempo todo criando fantasias, estórias, sonhos, projetando coisas. Isso por si só é bom. Porém muitas vezes nos deixamos levar por um enredo desses, que criamos sem saber como, e nossa realidade se mistura com isso.

De modo geral nunca experenciamos a realidade como ela é, crua, viva, sem subterfúgios ou maneiras de encará-la. Usamos diversos instrumentos para lidar com ela: fantasias, mentiras, bebidas, e muita procrastinação. Criamos histórias e passamos a vivê-las. Distorcemos fatos, os misturamos com lembranças falhas e com muitas expectativas. 

E nessa construção contínua muitas vezes deixamos o que se passa na vida diária de lado. Deixamos de perceber coisas que talvez realmente importam. Coisas que podem ser doloridas, mas muitas vezes necessárias. É muito mais fácil e confortável viver em sonhos em que conservamos apenas as coisas boas, onde tudo está dado, pronto ali, só deixar-se levar e deleitar-se. A realidade não. É cheia de baixos, dificuldades, barreiras, empecilhos. Precisamos nos esforçar, brigar, lutar, perder e aceitar diversas coisas que não gostamos. É a vida real, dura, intransigente e mutante. E há muito prazer nela, porém é preciso ir atrás e não apenas fechar os olhos e curtir.

E parece que é só a realidade começar a aparecer um pouco intensa demais que já vejo aquela telinha pequena pipocar no canto esquerdo da tela...

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