sábado, 22 de setembro de 2012

Vovó

Para Maria Stacechen (1935-2012), 
Um anjo iluminado

"Do nossos planos é que tenho mais saudades. 
Quando andávamos juntos, na mesma direção. 
Aonde está você agora além de aqui, dentro de mim?"

"...vai ser difícil sem você, 
por que você está comigo o tempo  todo, 
e quando vejo o mar, existe algo que diz,
 que a vida continua e se entregar é uma bobagem..."
(Vento no Litoral - Legião Urbana)

Você se foi e um enorme vazio tomou conta daqui. Você estava em tudo. A dor que ficou preenche todos os espaços. Tudo lembra a ti. 

Das doces lembranças da infância. Dos bifes com batata frita na casa do Portão. Dos cafés da manhã no quintal, junto dos cachorros que eram praticamente sua extensão. Das viagens inesquecíveis de férias em Morretes, quando fizemos uma cabana e levamos o Kiko e o Branquinho. Da vez que estranhos vieram buscar filhotes e eu e a Cris nos escondemos no mato com os dois cachorros. 

A lembrança mais antiga que tenho de você foi um dia em que a mãe havia brigado comigo. Eu deveria ter uns 5 anos. Entrei no quarto e revoltado joguei tudo no chão. Você apareceu e disse: "joga tudo, descarrega toda sua raiva, bota isso pra fora!" E eu fiz, fui me acalmando aos poucos. Aquele dia comecei a compreender seu espírito libertário, de não querer se adequar a nada, de ter uma autonomia e independência. 

E você foi a vida toda assim. Por mais doce que fosse não deixava de seguir o seu próprio caminho, de não querer depender de ninguém. Como isso me ajudou a ser quem sou hoje vó! Você não sabe como. Tentei herdar sua doçura, ao mesmo tempo combinada com um espírito livre, independente. Tinha uma sabedoria que ultrapassava disciplinas. Não era ciência, era vivência. E como nos respeitávamos! Mesmo eu sendo um acadêmico, nunca discutimos. Eu ouvia atentamente seus dizeres. Não posso deixar de lembrar minha defesa de Mestrado, em que a Vó corajosamente levanta a mão durante a sabatinada e pede para fazer uma pergunta, desconcertado, o meu orientador diz que permite, com uma ressalva: "só a Vó pode". Foi a melhor questão da defesa. Foi direto no ponto, em tudo o que defendi naquele trabalho!

Com o seu sorriso e alegria aprendi a ser feliz, a querer fazer festa sempre. Foi você que ensinou isso. Nunca esquecerei de minha formatura, quando a tirei para dançar a 3ª valsa. Era a da madrinha. E você perguntou-me: "eu?" E eu disse: você é a madrinha da minha formatura!. Naquela mesma noite, lá pelas 5 horas da manhã todos meus amigos estavam estirados nas cadeiras, e você tirava um por um para dançar. É essa a imagem que quero guardar de você. Da alegria, da energia, da vontade de viver incondicionalmente.

E as viagens? Quantas Vó? Manaus, Barra do Saí, Morretes. Onde fosse, você ia. Queria conhecer tudo, viver a vida intensamente. Ver pessoas, ver lugares, ver coisas novas. Essa ânsia de viver quero levar para toda a minha vida. Foram tantas coisas, tantas lembranças. 

Você participou de tudo. Estava em tudo. E agora Vó? Até minha casa na Lapa está marcada. Lembro da alegria e da tranquilidade que você encontrou aqui. Isso me fez tão bem, saber que aqui você ficava tão a vontade. E União da Vitória, quantas vezes você foi para lá. Ficou tão feliz quando eu fui. Você conheceu a Hilda antes de todos, e naquele dia mesmo deu seu aval: "ela é perfeita pra você!". O que mais dizer?

Só a saudade, a dor que agora sufoca. Passei uma semana difícil, tentando fazer de conta que tudo estava bem. Mas hoje a tristeza estourou. Uma agonia, vontade de ligar e saber se sua Kombi andou estacionando por lá... Eu sei que não, mas como eu queria chegar amanhã e vê-la por lá! Demorará ainda para assimilar isso. Acostumamo-nos com a Vovó sempre ali. E agora?

Um comentário:

Coisas da vida ...pra ser óbvio disse...

Este texto é lindo e descreve com doçura, tudo que essa mulher maravilhosa foi.