quinta-feira, 8 de maio de 2008

Carta à Sonia nº 1

Curitiba, 20 de Setembro de 2001.

Há algum tempo eu não faço nada. Não produzo nada. Minha grana está acabando, e sinto que minha criação vai se esvaecendo. As palavras estão fugindo, as letras fragmentam-se. E minha alma segue o mesmo caminho: em pedaços, não sinto vontade de juntá-la.
Apesar de tudo meus dias passam rápidos. Acordo tarde, ligo a TV, fico fumando até a hora do almoço assistindo as piores merdas. Às vezes almoço, às vezes não. Saio caminhar à tarde e tudo me incomoda: o barulho dos carros; as pessoas neuróticas em suas vidinhas automáticas; a felicidade de uns, o rancor de outros; tudo me parece um tédio.
O pior é não conseguir escrever. Estagnação. Sinto-me amarrado, pesado, arrastando meu corpo pelas ruelas do Centro. Nem as putas me distraem mais. E não trata-se de simplesmente ficar paralisado. Faço um esforço tremendo, acordando cedo, começando a ler algo para inspirar-me , assistindo filmes, caminhando pelas ruas; tudo como sempre fiz, buscando forças no velho cotidiano, em tudo o que me cerca, o que me incomoda, o que me toca. Mas nada.
Eu sei que subestimei sua presença Sonia. Que as vezes tratei você como não merecia.
Longe de ti, me perdi. Afastei-me das pessoas, das coisas, do mundo. Perdi contacto com a realidade. Agora tudo é diferente. Lembra como eu ficava quando estava produzindo bem? Absorto, perdido dentro de mim, mas louco com aquilo, vibrando e sofrendo, gritando por dentro e me acabando. Mas vivendo, explodindo, deprimindo, dormindo. Gozando. Agora tudo parece estar perdido, insosso, sem graça. Perdi o tesão.
Não quero dizer com isso que foi sua saída que provocou tudo. Longe disso. Só queria contar-lhe como estou, como foi minha semana, assim como quando você aparecia por aqui conversar. E o pior é pensar que você deve estar se divertindo a beça onde quer que esteja. Te admiro muito por esta sua capacidade de curtir a vida, algo que nunca pude desenvolver. Sempre criei meus subterfúgios, minhas amarras, sempre restringi minha liberdade. Aprendi a viver em um túnel infinito, aberto somente acima, que me leva sempre adiante, mas que não permite ultrapassar suas paredes. Como um trilho que segue constantemente, sem chances de poder quebrar na primeira esquina. Já você escolheu o oposto: a liberdade desmedida, inconsequente e louca. Cruel quase sempre, feliz às vezes, mas sempre pronta a se renovar, a te jogar para lugares inimagináveis.
É minha amiga, somos muito diferentes e mesmo assim acabamos por juntar-nos em alguma centelha da vida onde somos iguais: seres perdidos, dentro de si, presos ou não, condenados ao um destino que escolhemos e sabemos dele muito bem. Talvez isso nos aproxime, talvez o nosso senso de não pertencimento a este mundo comum onde tudo funciona, onde todos supostamente se entendem e vivem suas vidas normais, virando às costas para toda a merda que nos cerca. Só sei que já sinto falta de sua acidez, de sua arrogância até - maravilhosamente dosada e ousada. E mais que tudo, sinto falta do único ser humano em que eu podia me encontrar, me ver e não me sentir "o estrangeiro".
Te cuida Sonia.
Beijos, Jonas
Trilha Sonora: Radiohead, "In Rainbows II" (2007); Mogwai, "Happy Songs for Happy People" (2003); Explosions in the Sky, "The Earth is not a Cold Dead Place" (2003); Interpol, "Turn the Lights Bright" (2002); Wilco, "Sky Blue Sky" (2007); Portishead, "Live in Roseland, NYC" (1998).

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