segunda-feira, 14 de abril de 2008

Eternal Sunshine of the Spotless Mind

"Eu quero que você desapareça de minha memória. Quero apagar todas as marcas que tua alma deixou em mim. Cada toque, cada voz e suspiro, cada sorriso, todas as lágrimas que senti escorrerem. De tudo, de todas as coisas que vivemos, agora só resta a dor. E esta é muito maior do que tudo que já vivemos. Maior que a melhor parte de minha vida. Só peço isso. Esqueça-me. Por favor. Não suporto mais a sua felicidade. Adeus, Jonas".
Sonia achou este bilhete na carteira de Jonas. Era datado de 13-07-97. Ele nunca conseguiu entregar à Ana. Resumia o que ele mais queria, e que nunca teve coragem. Simplesmente não conseguiria apagar Ana de sua vida. Fora a época mais feliz. E para ele nunca mais voltaria. A dor de acordar todos os dias e lembrar disso o atordoava. Eram dias que não deveriam começar - pensava ele.
Era uma segunda-feira cinzenta e chuvosa na "Cidade Sorriso". Uma leve ressaca e uma pontada no fígado. Não quis sair da cama. Foi acordado por Sonia, que ao notar o estado deplorável do ambiente, resolvera fazer uma rápida faxina. Trouxe uma xícara de café e jogou o bilhete que havia achado:
- até quando você vai viver assim. Toda vez que você deseja esquecê-la, você reforça a falta que sente dela.
- o que você tem a ver com isso? o que você sabe sobre relacionamentos? viver com uma pica enfiada no rabo não te qualifica para dar conselhos amorosos!
- você é um filho da puta! pelo menos eu assumo minhas perdas e vivo com isso. Você não, é um babaca escroto que vive se arrastando. - Sonia sai do quarto em lágrimas. Jonas, ainda atônito, vira-se para a janela e observa a fina garoa que caí. - Por que afasto as pessoas de quem gosto? Que merda de vida é essa? Viver de sombras. De restos de passado. Que porra é essa? - escreveu na continuação do bilhete que Sonia havia jogado.
Sonia, ao sair, sabia que parte de sua injúria era porque havia se identificado com o bilhete. Quantas vezes não quis também apagar seu ex-marido de sua memória. Mesmo tendo sido abandonada por ele, ela sentia sua parcela de culpa. Até hoje ela não sabe direito se seu marido soube de suas escapadas. Sonia amava muito seu marido, e fora fiel a ele nos primeiros anos. Ela sempre se considerou uma mulher "sexual", sedutora e insaciável. Seu marido adorava a atmosfera libidinal que a envolvia, e no início do relacionamento os dois se acabavam na cama. Porém com o decorrer do tempo, a relação começou a esfriar, e Sonia passou a deixar que suas fantasias deixassem de ser somente fantasias, e com o tempo a tendência foi de ela exagerar cada vez mais. Começou com umas transas com desconhecidos na balada, homens que conhecia quando saia com as amigas e que acabava no motel. Porém com o tempo suas ações foram se estendendo. Não podia conhecer algum amigo ou cliente do marido que logo desejava transar. Ela não conseguia entender o porquê de se excitar tanto com a idéia de trair o marido com algum conhecido. Ela sentia algo como uma vingança, por ele não a tratar mais como antes. Até hoje ela não sabe se ele acabou por descobrir essas traições, pois ele era empresário e nesse meio tudo é meio obscuro. O fato é que a relação foi se esgotando e um dia Marcos chegou e contou que havia a traído com uma jovem que conhecera no trabalho e que não dava para continuar pois isso era sinal de que o relacionamento havia acabado há algum tempo. Sonia não queria terminar. Argumentou que poderia perdoá-lo, e propôs que tentassem resolver a situação, até mesmo pela Bia. Marcos não quis, disse que não dava mais, que estava apaixonado, e que mesmo que estivesse enganado quanto a esse novo relacionamento, com relação à ela estava decidido. Sonia ficou profundamente abalada, e aquele dia sua alma se perdeu na solidão. Descobriu tempos depois que realmente o amava, e se arrependeu de tudo que havia feito para ele. Mas foi tarde, pois de alguma forma Marcos sabia que a esposa havia o deixado de lado, e que emocionalmente estava afastada. Sonia considerava suas aventuras como simplesmente carnais, pura libido que precisava ser satisfeita. A grande questão era que realmente ao se entregar aos seus mais obscuros desejos, ela havia o afastado de si, de sua mente, de seu corpo. Entregue aos corpos de tantos outros, ela havia o perdido. E essa perda ficou marcada para sempre, pois toda vez que Bia voltava da casa do pai e contava as histórias do pai com a nova esposa, Sonia imaginava-se no lugar do qual um dia já ocupou. E pior, no lugar que ela deveria ter ocupado, pois nos últimos anos deixou de ser a esposa, a mãe, para ser a amante.
Aquele bilhete trouxe a tona toda essa história, que não deixava de pulsar cada vez que Sonia lembrava que um dia fora feliz também. Que teve tudo, e aquele homem lhe deu também tudo o que a mantêm viva hoje: Beatriz. Muito mais do que as palavras de Jonas, fora sua vida revisitada em cinco minutos o que a abalou naquela manhã.
Trilha Sonora: Remy Zero - "Fair"; Sigur Ròs - Várias; Explosions in the Sky - "The Only Moment We Were Alone".

Nenhum comentário: