Minha bela, meu amor
Pra você quero contar
O meu sofrer e a minha dor
Eu sou quem nem o sabiá
Quando canta é só tristeza
Desde o gaio onde ele está
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade"
(Tristeza do Jeca - Tonico e Tinoco)
Amanheceu chovendo na chácara. Poderia ser frustrante para uma criança de sete anos, em férias, solto em volta de toda aquela mata de Morretes. Mas eu adorava os dias de chuva. Aliás, desde então eu adoro dias de chuva.
Quando eu ouvia as primeiras gotas durante a madrugada, eu já sabia. Seria um dia de chuva. Acordava com aquele cheiro gostoso de chuva, de mato molhado, das laranjeiras e limoeiros. A Vó já estava preparando algo para o almoço. Na vitrola tocava Sérgio Reis, Dilarmando Reis, Almir Sater e Cascatinha e Inhana.
Por um longo tempo eu ignorei essas músicas. Mas desde que a Vó se foi, e Morretes se perdeu, toda a vez que ouço cada acorde, é uma emoção que vem novamente à tona. À tarde a Vó ouvia rancheiras. De noite era Ópera. O Vô tinha uma boa definição para músicas mais introspectivas e reflexivas: "é música de chuva".
À tarde, depois do almoço, a Vó se sentava ao lado do som e ficava ouvindo e contemplando a música. Foi com ela e com o pai que eu aprendi a apreciar música. Não basta ligar qualquer música e deixar de fundo. É preciso parar, contemplar, apreciar cada acorde. E as músicas sertanejas que a Vó ouvia não podiam ter sentindo melhor.
Era o mato molhado. O som alto e calmo com aquelas canções pantaneiras. Eram as crianças mais calmas e tranquilas. Era aquela infância livre e doce que não volta mais. Era dia de inventar uma brincadeira dentro de casa. Poderia ser uma nave intergalática feita em cima da cama. Um navio à deriva pelo oceano. Meus avós, os cachorros, o mato e nada mais....
Trilha Sonora: Sérgio Reis, Vol. 2.
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