Era uma manhã cinzenta. Aquela cena nunca mais sairia de minha mente. Meu avô descendo do carro. Amarelo. Seu semblante não era de dor. Resignação. Eu nunca o havia visto daquela maneira. Olhar perdido. O soldado finalmente havia batido em retirada.
Os dias iluminados de céu azul da Ucrânia haviam ficado para trás. E minha breve adolescência também. Good bye blue sky. "Os homens bons não morrem. Sobem aos céus para tornarem-se anjos". E o meu anjo se foi naquela tarde de 17 de setembro de 1998.
Ele era o modelo de homem. Meu referencial de ser humano. Era extremamente bondoso, mas ao mesmo tempo justo. Honesto e inteligente. Um tanto quanto ranzinza, e tinha um senso de humor implacável. Abriu-me as portas do mundo ao ensinar-me a ler. Valorizava o saber acima de tudo e sabia o quanto isso transformaria completamente minha vida. Foi meio pai, meio avô. Avôhai. Vojão.
O princípio da juventude havia sido brilhante e delicioso. O mundo se abria com toda sua força e esplendor. A vontade era de apenas viver intensamente, voar, navegar livre em um mar de liberdade e contemplação. Pela primeira vez sentia que podia abrir-me, sair do enclausuramento e encarar a vida de frente. E como em um golpe, ela veio logo com tudo. Seca, dura e incompreensível. Bateu forte e foi embora, levando junto os últimos sopros de inocência e serenidade.
Os anos que se seguiram foram de escuridão. Incompreensão, revolta e dor. Mergulhado em tristeza, eu via o mundo a minha volta desaparecer e esfalecer-se. A louca felicidade juvenil deu lugar à angustia e encerramento em si mesmo.
Eu não tinha mais referências. Procurava cegamente uma saída para o quê eu mesmo não conhecia. Apegava-me a quem meramente estendia uma mão, buscando não afundar. Não sei bem como eu sai dessa. Foi a fase mais obscura de minha vida. Foram anos tentando elaborar essa perda que até agora repercute e coloca-me a refletir sobre uma parte do passado que ainda não superei completamente.
Passaram-se dezessete anos, e essa é a primeira vez que consigo escrever sobre o Seu João, ou melhor, sobre a sua perda. A dor é ainda grande, assim como são as doces lembranças dos anos incríveis que passei junto desse ser iluminado que participou ativamente de minha infância e adolescência, contribuindo para minha formação enquanto homem, ser humano, e agora, pai. Saudades!
Trilha Sonora: "Little Wing" - Jimi Hendrix; "Sailing" - Rod Stewart; "Goodbye Blue Sky" e "Mother" - Pink Floyd; "My Friend of Misery" - Metallica.
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