terça-feira, 13 de setembro de 2005

Dias de Chuva

Dias de chuva são sempre tristes. Parece que as esperanças dão uma trégua e o mundo volta-se para si. E esta volta é nada mais do que a volta ao real. Carlos gostava dos dias de chuva. Apesar de sempre sentir-se mais angustiado nesses dias, eram momentos em que podia sentir muito bem algo que se passava além de seu mundo próprio, o que era raro. Naquele dia frio e encharcado na Capital Social resolveu encharcar-se, de álcool. Procurou o bar mais sujo que conhecia, pois era assim que queria sentir-se: imundo. Escolheu um daqueles ao lado do passeio público. Junkies, putas, vagabundos de rua e estudantes perversos eram o público que ali frequentava. Carlos não se enquadrava em nenhum dos perfis acima. Mas naquele dia, sentia-se um pouco de cada um. Ele não sabia porque estava sentindo-se assim, sentia somente uma vontade incontrolável de entregar-se a insensatez e ao delírio alcoólico. Iniciou-se então sua jornada rumo ao inferno, ao seu inferno, afinal o ambiente já era este. Pediu uma garrafa de conhaque da mais vagabunda, alguns pedaços de limão e uma carteira de cigarros italianos. Algumas putas tentaram mexer com ele, mas com o olhar parado, fixado para a janela que dava para rua, nem percebeu. De início suas idéias vagavam como sempre: fatos do passado, mulheres perdidas, o filho abortado, a mãe louca. Logo pensou que tinha que trabalhar no dia seguinte, mas pouco se fodendo, esqueceu logo. Queria esquecer de tudo, da sua vidinha porca, do trabalho burocrático e escroto do escritório, da porra daquela cidade cinza e fria, de seu mundo fantástico que criara em suas idéias. Por que diabos não vivia? Não conseguia viver a vida que ele mesmo escolhera para si! Já nesse ponto, sentia a embriaguez tomar aos poucos conta de seu esguio corpo. Suas idéias começavam a embaralhar-se, todos sentimentos pareciam ser um único mesmo. Chorou um pouco, bebeu um monte. Apoiou a cabeça na mesa, queria dormir, mas não conseguia. Nem mesmo o álcool fazia aquelas idéias pararem. Nada afinal fazia aquele tormento parar. Não era o fluxo contínuo de idéias seu problema; era a sua vida toda que não fazia sentido e não encaixava-se à suas idéias. Já era noite, estava muito mais frio. Levantou-se cambaleando, pagou a conta e saiu andando pela centro sujo e encharcado. Sentou-se em um banco na Santos Andrade. Chovia muito naquele momento. Carlos não ligava, não ligava mais para nada. O dia havia acabado, nada mudara. Amanhã estaria de ressaca, trabalhando naquela porra de escritório, sozinho como sempre. Ele com as idéias. O mundo com a vida.
Trilha Sonora: Modest Mouse This is a Long Drive for Someone With Nothing to Think About (album)

Nenhum comentário: